quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Limonada na macumba telepática

Triiiiiimmmm...
-- Alô?
-- Chamada a cobrar... para aceitar continue na linha após a identificação.
Piiiimmmmm!!!!!
-- Pois não? Alô?
-- Oi!!!
-- Quem é que está falando?
-- Sou eu...
-- Eu quem?
-- A Juliene...
Levei um choque. Olha que nem cheguei a procurar a cigana para trazer de volta a Cinderela do Lar em três dias... será que meu santo é tão forte, que só de pensar na hipótese a macumba já deu resultado? A cigana é telepata? Será que me passa os números da loto ou o gabarito da próxima prova para a Petrobras?  Respirei fundo e banquei a Fernanda Montenegro:
-- Que Juliene?
Ela não se fez de rogada e veio com a vozinha mole:
-- Já esqueceu de mim? Sou eu, dona Fernanda, a Juliene, sua diarista.
Fiz pouco caso, inclusive para ganhar tempo e saber como agir: na dúvida, fui mais gelada que pinguim.
-- Ah. Oi, Juliene. Pois não. Está me ligando por quê?
Por um momento, fiquei com medo que ela dissesse “porque uma cigana apareceu aqui em casa junto com a Pomba-Gira e o Preto Velho, e todos eles me disseram pra ligar porque a senhora anda meio desesperada aí por causa de empregada...".  Mas graças ao bom Deus maluquices como estas só acontecem mesmo é na minha imaginação, e ela armou sua voz de choro (aquela que eu conheço tão bem...) e me saiu com esta:
-- Ô dona Ferdddddaaaaaaannnnddddaaaa... eu preciso que a senhora me perdoe... fui uma ingraaaaaata... a senhora me ajudou tanto, e eu  pisei na bola com a senhooooora...
Tremendo déjà vu. Voltei no tempo e me vi, com cara de idiota, sendo mais uma vez enrolada pelas histórias rocambolescas que só a Juliene sabe contar... um dia morre a avó de 90 anos;  no outro, é o filho que desaparece pela milésima vez; ou então ela tomou uma surra do namorado; ou baixou no hospital com dengue, problema de coluna ou hemorragia vaginal... e eu sempre acreditava em tudo e dava até dinheiro para ajudar com o velório da velhinha. Senti um arrepio de horror me subindo pelas costas. Foi quando ela continuou:
-- E eu sonho toda noite com senhooooora...
O arrepio agora desceu de volta pela espinha. Larga d´eu, Zebedeu, que este papo tá esquisito...
Resolvi acabar com a lenga-lenga:
-- Tá perdoada, Juliene, pode dormir em paz.
Ela acabou com o choro na hora e veio toda animadinha:
-- Então quando é que eu volto?
Tcham, tcham, tcham, tchaaaaaaam... (nesta hora, juro que pensei estar ouvindo a Quinta Sinfonia de Beethoven).
-- Segunda-feira às dez?
Ela insistia, e enquanto Beethoven mandava brasa na música de fundo, eu pensei: “ É pegar ou largar!”. E repensei: "Dez horas?! Ela não mudou nada... isso lá é hora de diarista chegar para o batente?".  E não é que eu, totalmente de veneta, larguei?
-- Não, Juliene... aqui em casa você não volta mais não...
Eu ainda tentava acreditar em minhas próprias palavras quando ouvi, do outro lado da linha, o tombo que ela tomou do cavalo. Foi neste momento que a cigana, "p" da vida, deve ter pensado "esta doida me botou pra trabalhar à toa, e agora que fiz o milagre ela põe tudo a perder?!". Por um segundo, temi aborrecer a entidade.
-- A senhora arranjou outra? -- (Juliene estava descadeirada).
-- Não... estou limpando chão, passando roupa, lavando banheiro... mas pelo menos ninguém mais mente, chega atrasado ou falta ao serviço aqui em casa... (a cigana há de entender que pensei melhor e tenho razão).
Horas mais tarde, meio arrependida, quase em dúvida a respeito de ter feito a coisa certa e já pensando em pedir arrego depois de me fazer de difícil, falei com meu marido:
-- Tomara que ela agora me ligue um milhão de vezes querendo voltar, porque aí eu posso aceitar sem perder a pose de durona...
Acho que a cigana se cansou de mim ou viajou para o Caribe, porque desta vez não me atendeu, e a Juliene nunca mais deu as caras. E eu, que já não dou as caras há meses lá na manicure, estou aprendendo a gostar da liberdade que existe em não precisar desesperadamente de uma faxineira... em aprender a empurrar as cutículas e passar um esmalte nas unhas, depois de lavar a roupa... e de ter a casa inteirinha só pra mim, sem uma diarista que está sempre de antena ligada e orelha em pé, e pronta para faltar ao trabalho quando lhe der na telha, e eu que me dane.
Estou aprendendo que existe liberdade até em chutar o balde e não limpar nada... uma poeirinha de vez em quando não mata ninguém, nem uns pratinhos sujos na pia. Deixo a bagunça pra lá e ainda pego o salário dela, que anda sobrando no orçamento doméstico, e faço uma festa na minha loja preferida. Taí um jeitinho bom de pegar o limão e fazer uma limonada.

Clique abaixo para ouvir a trilha sonora do meu papo com a Juli:


Leia também:
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16 comentários:

  1. Respostas
    1. Obrigada pelo apoio. Agora vem aqui em casa lavar um banheiro porque apoio não pode ser só "moral", não. Tem que ser na prática também...

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  2. Oi Fernanda,

    Eu também estou na mesma situação que a sua: curtindo integralmente a minha liberdade.

    Nesse calor uma limonada com bastante gelo é uma delícia.

    Parabéns por ter resistido bravamente.

    Mercedes

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    1. Bom dia Fernanda,

      Por incrível que pareça, a minha "Juliene" me ligou ontem, inicialmente como uma conversa de "cerca Lourenço", que tinha sonhado comigo, que eu fui a melhor patroa dela, que ele gostava muito de mim, que estava com saudades, etc. e tal e que queria voltar lá prá casa.

      Aí eu pensei no que havia postado prá voce, te parabenizando por ter resistido bravamente à sua Juliene.

      Resisti bravamente também, mas confesso que deixei a porta meio aberta, porque a "liberdade que estou curtindo integralmente" já está me sufocando. :)

      Assim como voce, não pretendo ficar prá sempre com a vassoura na mão.

      A minha saga também continua...... vamos ver o que o futuro me reserva.

      Depois te conto tudo.

      Beijos

      Mercedes

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    2. Mercedes, te entendo bem. Só a dona-de-casa abandonada pela assistente pode saber onde o calo aperta. Se a sua Juliene não te sacaneou, você fez bem em deixar a porta aberta. Vamos continuar trocando figurinhas, e quem sabe não fundamos um grupo de apoio mútuo? Bjos!

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  3. Eu juro que depois que lí o post,pensei em dar um "apoio moral",mas mudei de ideia,para não receber o mesmo convite que o Marcelo recebeu...

    Monica.

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    1. Monica querida, você já está convidada! Pode vir que eu tô esperando!!!

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  4. Fernanda,

    Quando voce escreveu no seu post, a "saga" na procura de uma diarista nao dei nenhum comentario. Agora sim, posso falar: gostei da sua atitude e mais ainda de voce perceber que a sua liberdade e mais importante (tambem sei que e duro fazer as coisas sozinhas e trabalhar fora).
    Uma vez eu escutei esta frase:"a casa fica e voce vai" ....adorei.

    Beijos

    Gilda Bose

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    1. Valeu, Gilda! Mas a saga continua, porque não vou ficar pra sempre com a vassoura na mão...

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  5. - Mulher interessante só usa vassoura como meio de transporte...

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    1. Não, Anônimo. Você está errado: a mulher interessante usa a vassoura como meio de transporte mas também aproveita e varre a casa, porque homem que vale a pena detesta mulher porca. Sacou?

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  6. Se voce comprou as oferendas que a mae Joana recomendou, poe numa caixa termica e manda para mim!

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    1. Não cheguei a comprar porque não cheguei a fazer consulta, Ariel! Mâe Joana é telepata e fez o trabalho antes mesmo de eu ir lá falar com ela...

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  7. Cuando un empleado renuncia, por más valioso que sea, su patrón debe dejarlo partir sin problemas, debe desearle con sinceridad que le vaya bien en su nueva actividad y reemplazarlo lo más rápidamente posible. Cuando un empleado vuelve al antiguo trabajo, normalmente es porque le fue mal en su nuevo trabajo. No vuelve humilde y arrepentido, está enojado, rencoroso y buscando venganza: nadie mejor que su ex-patrón para cargar con la culpa de su "mala suerte". Aunque no todos los casos son así, es bueno tener cuidado y protegerse, nadie nos conoce mejor que quien ha trabajado horas junto a nosotros, y puede causarnos mucho daño. Pienso que de aceptar nuevamente Juliene hubiese pagado un precio muy caro en el futuro, saludos cordiales Fernando Gras

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    1. Hola, Fernando! Saludos desde Brasil!!! Muchísimas gracias por unas líneas venidas de Argentina, mi segunda casa! Mira, estoy contenta conmigo y con el coraje que tuve en decir "no!" a Juliene... pero limpiar todo sóla es muy pesado... de pronto espero tener alguien aqui que me pueda ayudar con todo, antes que yo me ponga loca...

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