sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

De como roda a roda do infortúnio

Minha amiga Isabel, doente sem esperança de cura, me atendeu ao telefone pra bater um papinho.  Depois de alguns minutos, tratei de ir encerrando a conversa, mas ela me interrompeu:

-- E você, como é que tem andado? Tá tudo bem? O casamento, o trabalho... tudo jóia?
À esta altura de sua condição, eu não esperava por qualquer interesse que não fosse um bocadinho de alívio, mas esta sua pergunta lembrou-me que é na provação que as pessoas são mesmo o que são.

Neste ponto da conversa, chamo aqui o povo muito chique daquele filme emblemático, "O anjo exterminador", de Luis Buñuel, que tem uma situação muito reveladora e que é mais ou menos assim: granfinos jantam juntos, todos muito metidos a elegantes, e eis que, por alguma razão que o diretor e o roteirista nunca explicaram, ninguém consegue sair da casa. E é aí, na falta de charme do confinamento, que os nobres botam os dentes, o egocentrismo e a brutalidade pra fora: o ser humano em sua forma animal.
Minha amiga Isabel e "O anjo exterminador" são, para mim, como símbolos do antagonismo que vivenciamos nas relações. De um lado o afeto verdadeiro, aquele que motiva alguém a fazer uma pegunta muito simples, porém sincera, e que a gente quase não ouve por aí nas rodas e nos cafés:
-- E você?
Do outro lado, aquilo que se convencionou chamar "amizade" hoje em dia, estes tempos tecnológicos e ágeis da Internet e das relações superficiais: o desvalor do outro, que tornou-se tão patológico quanto o exagerado valor de si mesmo. E é assim que todos tornam-se cada vez mais sozinhos neste mundão sem fronteiras, reféns de uma vaidade que só existe para matar a própria fome.
O “estar só” no mundo é o que sobra. A carência absoluta de gente que se sabe tão desesperadamente só, e que padece uma fome sem remédio de atenção, de importância, de reverência, de lugar ao sol... é a cultura do eu, na qual a solidão é o motor que faz girar a roda do infortúnio. 

 


A cena curta, mesmo em espanhol, dá uma ideia da situação...

6 comentários:

  1. A primeira, das quatro vezes á que assisti esse emblemático filme sobre as várias naturezas humanas em situações-limite, foi para trabalho acadêmico. De fato, nessas situações, desvelam-se verdades de nós, que dificilmente, emergeriam em situações rotineiras de nosso modus vivendi.
    A morte iminente e inexorável, creio que seja o momento em que a totalidade do SER pulse mais clara e pujante. A morte não negocia com PERSONAS. Pelo contrário, inunda de luz reveladora, SOMBRAS mais recônditas desse SER que esvai-se. Como representar com e para a MORTE?

    No mundo da instantâneidade e fugacidade das relações, virtuais ou não, apenas Personas têm espaço de representação. Amizades autênticas? raro artigo relacional. Dor e prazer são autênticas, como cédulas de três reais. O interesse genuíno pelo outro, consequentemente, obedece a essa GRAMÁTICA DA VIDA em relação.
    Acredito que sua amiga seja um SER de LUZ. Expressar interesse em saber de você, quando ela e a MORTE estão próximas, quase um SER, apenas, só mesmo para iluminados. Sua passagem para o plano espiritual, certamente, será tranquila.

    ANTONIO CARLOS

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    1. Profundas as suas palavras, e ótima a explicação sobre o que acontece no filme. A gente sempre se acha tão civilizado e gente fina, né? Mas no fundo nunca sabemos do que somos capazes... Quanto à minha amiga tão querida, também acredito que ela seja um ser de muita luz. Gostaria de parasse de sofrer.

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  2. E como eu não estou só,aliás estive literalmente no meio da multidão do Galo da Madrugada! É isso mesmo Fernanda,vim conhecer o carnaval de Recife,e acredite,eu nunca ví povo tão alegre,tão elétrico,quanto o Pernambucano.
    Fica aqui o meu convite,para a galera do Alma Lavada,(inclusive a dona do Blog) venham conhecer o frevo de pernambuco! Vcs vão AMAR!

    Bjs a todos.

    Monica.

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    1. Monica, menina!!! Foi transmissão de pensamento! Estava aqui pensando em você agorinha: "onde será que está a Monica, que sumiue esta semana???. E aí voce aparece com notícias de Recife! Aproveita aí, moleeeeeeque... e depois conta mais detalhes de como foi. Beijão e cuidado com os excessos carnavalescos!!!

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    2. Não se preocupe Fernanda,pois não vou cometer nem um excesso,até porque,os filhotes estão tentando me controlar a todo momento.
      Fuuuuuuui!

      Monica.

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