sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Profissão: desespero

As súplicas eram tão desesperadas que, mesmo estando eu láááááá na esquina, a sei lá quantos metros de distância do homem, já fiquei com o coração apertado:

-- Um ajuda pequena, pelo amor de Deeeeeeeus!!!
E, quando cheguei mais perto, ouvi a frase fatal:
-- Eu tô com foooooome!!!
Pronto! Foi antes mesmo de botar os olhos em cima do sujeito esquálido, que certamente havia sido vítima da pólio na infância, porque tinha pernas tão finas que me pareceram atrofiadas... antes mesmo de botar os olhos no seu peito nu, no seu cabelo desgrenhado e na sua cara de fome e desamparo... antes disso meu coração de manteiga já estava dominado.
Passei por ele e olhei, sem interromper minha marcha, e ele me estendeu a mão imunda, num gesto trêmulo. "Será doença, pobreza ou crack?", ainda pensei, mas a razão daquilo tudo não interessava: o homem era pura aflição.
Parei no ponto de ônibus mais adiante e fiquei observando enquanto o povo passava e, sem dó nem piedade, olhava para ele com a mesma indiferença que olharia a árvore que lhe fazia sombra.  Estava já pegando a única nota de 20 reais que eu tinha na bolsa para trocar no supermercado em frente, e assim fazer a caridade da esmola, quando ouvi uma senhora dizendo a outra, cheia de desprezo na voz:
-- É assim que ele faz o showzinho dele...
Foi movida por puro instinto que fuzilei a velhota com o olhar, enquanto estufei o peito para trocar a nota e dar a esmola, tudo isso sob os holofotes da velha maledicente, que me olhava com um sorrisinho superior na boca murcha.
Soltei para ela o "credo!" mais enojado que consegui tirar do fundo da garganta e dei a esmola ao rapaz, que agradeceu com olhos lacrimejantes. Sentindo-me superior à Língua-de-trapo, voltei para o ponto de ônibus com o coração de manteiga quase derretido pelo calorão de 40 graus e pela pena que eu estava do pobre coitado.
É, leitor... foi pouco depois que vesti o chapéu de "a mais panaca das mulheres", sobretudo quando a velha deu o grito:
-- Alá! Alá!!!!!!
Olhei, meio sem saber pra onde, e vi quando o cafajeste  levantou, deu umas batidinhas no short pra sacodir a poeira, guardou o desespero no bolso, mostrou que suas perninhas não tinham nada de pólio, tirou debaixo de si a mochila que lhe servia de almofada, guardou seu dinheiro, vestiu a camisa e pegou o primeiro ônibus que veio. Ainda olhou em minha direção e viu que lhe tirava uma foto... mas não se importou.
"Tomara que eu não tenha financiado uma dose de crack", já ia eu pensando, quando a velha mostrou que se divertia às minhas custas sem que eu pudesse dizer nada para me defender:
-- Tem trouxa que cai no choro dele, mas só os que não moram por aqui...
Quase que mandei um "sou trouxa mas sou feliz, mais trouxa é quem me diz", mas me sentia tão idiota que achei melhor botar o galho dentro e me fingir de morta.
Pensei nas várias vezes em que já fui extorquida por pidões profissionais de rua, gente que derreteu meu coração de manteiga com seu desespero digno de "Oscar" e faturando não uma estatueta, mas um almoço, um café com leite na padaria e, certa vez, até um tutu pra pagar a fictícia passagem interestadual de volta para casa... (fictícia sim, porque no dia seguinte a figura estava lá, batendo ponto na mesma esquina).
Tento não levar a coisa a ferro e fogo: em vez de ficar pê da vida pelo golpe de alguns poucos reais, penso em quanta gente de talento a TV Globo anda perdendo... atores de primeira linha, saídos da escola de malandragem que são as ruas da cidade. Fazer o quê? Cada um ganha a vida como pode... ainda mais se há sempre um bobão de coração mole dando sopa por aí.



 

20 comentários:

  1. Nao me lembro de ter dado algum dinheiro a pedinte mas lembro de ter me oferecido para pagar um sanduba, um rango, um pf ou seja la o que for e tambem lembro que alguns recusaram, insistindo no "em efetivo".
    Ja paguei pizza e refrigerante para um grupo de meninos de rua que entraram na lojinha onde estavamos numa atitude de "mao grande". Sairam de la como "meus irmao...".
    Nao de dinheiro. Ajude. Voce vai se sentir mais leve e mais alegre de espirito.

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    1. Quando meu coração amolece eu não resisto, Ariel. E nas vezes em que resisti, morri de culpa, a ponto de procurar o pedinte depois, pra dar a esmola antes negada. O pior é que pedinte é igual a agulha no palheiro: uma vez perdido, nunca mais a gente encontra!

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  2. Fernanda,

    Quem nao caiu numa dessa, nao e mesmo.
    Ele enganou a quem? A vida e assim mesmo: vivendo e aprendendo.
    Voce fez o que o seu coracao pediu....
    Alias seu post me fez lembrar de um filme com o Eddie Murphy e Dan Aykroyd, com a participacao da Jamie Lee Curtis, entre outros, do qual o Eddie faz o papel de um mendigo, e troca de lugar com um personagem rico,(Dan) por causa de uma aposta entre dois irmaos excentricos e milhionarios,(pois um deles achava que o ser humano e produto do ambiente em que se vive .....) e no final ele (Eddie) descobre a aposta e o valor ..... de 1 dollar !!!!....e ai ele se une ao que perdeu tudo para dar o troco .... foi legal este filme ....

    Felicidades,

    Gilda Bose

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  3. Eu não dou dinheiro a pedinte,prefiro na época do Natal fazer uma doação a associações do tipo AACD,(e em produtos nunca em dinheiro.)E dessa forma,eu fico de bem comigo e certamente agrado a Deus.

    Monica.

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    1. Mas Ariel... pelo que dizem por aí, lá em Cuba todo mundo tem vida boa!

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    2. Sin embargo, los cubanos siguen la construcción de barcos, no es cierto?

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    3. E sonham todas as noites com a liberdade de comer um cheeseburguer em Miami. Mas, dizem as más línguas, que por causa disso são covardes. Olha, nem voltei mais lá naquela discussão porque nao vale a pena tentar falar com gente daquele tipo. Aquele blog tem este problema: atrai um povo agressivo e virulento demais. O tipo de debate e de gente que eu detesto e quero longe daqui. Se gostasse, tinha continuado nas redações de jornal.

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  5. Dar esmola em dinheiro, nunca. Muitas vezes, como cita o leitor, pago um lanche, ou uma quentinha de comida, quando o local onde ocorre , apresenta tal possibilidade. Durante todo ano, há muito tempo, faço doação regular, debitada em minha conta de luz, para Instituição confiável, que assiste crianças, em dimensão holístca, além de velhos que viviam em situação de abandono. os Doutores da Alegria também recebem minhas contribuições periódicas, pela conversão de bônus do cartão de crédito em doação monetária. Ah, nada disso é abatido no IRPF.Assim, com desempenho oscarisável ou canastra, pedinte de dinheiro, o meu, não leva.
    Breve e real estória: por dezenove anos tive consultório no número 39 da Rua uruguaiana, no andar 19. Pois bem, em frente, há uma loja Rei dos Sucos, local, onde regularmente, comia prato de verão e sucos, no horário de almoço, em lugar deste.
    Num desses dias, três ou quatro garotos, conhecidos no local e nas lanchonetes da região, entraram nessa, pedindo agressivamente, dinheiro. Ningúem atendeu-os. Uma cliente, linda, por sinal, falou pagaria um lanche prá cada um, direcionando o que pagaria. Todos fizeram os pedidos, basicamente, salgados e refrescos. Tão logo o balconista entregou-lhes os lanches, todos, num bailado bem ensaiado, jogaram-nos nas licheiras. Um dos garotos, não satisfeito, dirigiu-se à bemfeitora, gritando: sua puta, a gente queria dinheiro. Vai tomar no ... A mulher, reiero, linda, começou a chorar imediatamente, chegando mesmo aos soluços. Todos, inclusive eu, tentamos consolá-la pela agressão sofrida. Gradativamente, ela recobrou o equilbrio, voltando para seu trabalho. parecia-me ser Advogada, por esses estereótipos que associamos a algumas profissões. Por não ser cliente habitual, nunca mais a vi, o que lamentei, pois apesar do triste episódio, fiquei um bom tempo encantado com a lembrança daquela mulher. Creio que caso tivésemos nos revisto, por ela, teria me apaixonado.

    PS. Tá vendo, o ALMA possibilita associações livres.

    ANTONIO CARLOS

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    1. Quando nada, estava totalmente pré disposto para apaixonar-me por ela. Ainda mais que não estava namorando na época. Ela, como várias pessoas, inclusive, nós, geralmente, desconhecemos as emoções que despertamos no outro, em diversos momentos e situações cotidianos. Uma lástima. Quantas lindas HISTÓRIAS de AMOR , não acontecem, ? Fazer o quê?

      ANTONIO CARLOS

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    2. Acabei de ler um livro sobre budismo que fala disso: das emoções que provocamos nos outros e no mal que nossas atitudes impensadas e apaixonadas podem provocar no coração das pessoas. É uma boa leitura, me fez pensar em coisas que eu não pensava antes. O livro se chama "Quando tudo se desfaz".

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    3. Grato pela sugestão, já aceita. Essa questão é muito importante, claro. Muitos encontros fugazes despertam-nos sensações e impressões negativas, sem razão aparente. Seja qual for a carga dessas impressões iniciais, reflito-as, sempre.
      Na experiência relatada, creio que posso nominá-la de forte impressão encantatória. Por falta de continuidade, impossível prever em que se transformaria essa forte impressão inicial.

      ANTONIO CARLOS SOUZA

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  6. Mudando totalmente de tema: Creio que amanha vamos escutar muito sobre A Vida de Pi e Amor. quer apostar?

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    1. Tenho dúvids a respeito do Pi. Hollywood às vezes surpreende.

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  7. O crack é a maior escola de atores já criada, deixa o Actor's Studio na saudade...

    SERGIO NATUREZA - BA

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  8. Para não parecer implicância com o Rio e não dar margem a falsas interpretações...a blogueira sabe como Matildes distorcem ou profanam nossas singelas palavras rsrs... vou citar Uberlândia-MG (são incontáveis, Brasil afora,infelizmente).

    "Um falso mendigo tem casa com geladeira, aparelho de som, TV e DVD", revelou o promotor de Justiça Marco Aurélio Nogueira, que disse ter ido à casa do suposto pedinte. Há quatro meses envolvido em uma ação contra a mendicância na cidade, ele afirma que esse não é o único caso de pessoas que pedem esmolas sem precisar.



    “Tem outro que finge ser portador do mal de Parkinson. Pede esmolas durante o dia, mas à noite joga carteado”, afirma o promotor. “Tem mendigo que tirava R$ 100 por dia, o que dá R$ 3 mil por mês. Outro caso, um homem recebia R$ 1.800 por mês, só pedindo dinheiro na rua.”

    A Prefeitura da cidade, em uma ação conjunta com as polícias civil e militar, lançou uma campanha contra a mendicância e, principalmente, a MENDICÂNCIA PROFISSIONAL. Mendigos que pedem esmolas são recolhidos e levados para a delegacia, onde são cadastrados.

    Critérios para definir um falso mendigo

    Segundo Nogueira, não existe um critério específico que é utilizado para saber se um mendigo é falso ou não. “Cada caso é analisado individualmente. Procuramos saber por que essas pessoas estão na rua, quais os verdadeiros nomes, se têm antecedentes criminais e de que lugares vieram”, afirma Nogueira.

    “O que mais impressiona é que fizemos um levantamento e constatamos que 90% deles são mendigos por profissão. Poucos realmente pedem por necessidade.”

    Nogueira disse, ainda, que muitos serão processados por estelionato por serem falsos mendigos, mas nenhum vai responder por mendicância, que é contravenção penal e tem pena de 15 dias a três meses de prisão.


    ‘Patrulha Antiimportuno’

    A Prefeitura tenta conscientizar a população para não dar esmolas e, em vez de oferecer dinheiro a um pedinte, contribuir com instituições de caridade. Segundo Nogueira, algumas pessoas reclamam que são xingadas e agredidas fisicamente quando negam dinheiro.

    Existe um projeto para criar a ‘Patrulha Antiimportuno’ (PAI). O objetivo seria inibir a mendicância em áreas centrais e impedir atos violentos contra a população.

    Um bom exemplo a ser seguido por todas as cidades brasileiras, com problemas similares, se não estou(?!) delirando.

    De minha parte, quase sempre só dou esmola quando percebo que a pessoa está mexendo em lata de lixo em busca de alimento, ou em situações que analisei bastaaaaaaaaaante (no caso de velhos).

    Santé e axé!
    Mrcos Lúcio

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  9. E o Pi levou algumas, incluindo melhor diretor e Amour acabou sendo o melhor filme estrangeiro. Nao foi ruim.

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  10. Fernanda, o que importa é que você fez o que julgou ser certo e está com a sua consciência tranquila. Tem uma instituição que eu ajudo todos os meses, e lembro que no início, algumas vezes me perguntava: "será que estão dando para este dinheiro o devido fim?", mas depois parei de me preocupar com isso, pois passei a exercitar o pensamento das primeiras linhas desse comentário. Se estão embolsando meu dinheiro ou estão dando a ele um destino diferente do correto, mais dia, menos dia, vão pagar por isso. Abraços!!!

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    1. Você está certíssimo: o que importa é a consciência da gente.

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