sexta-feira, 25 de maio de 2012

A conveniência não tem nada de Audrey Hepburn

Às vezes, levar-se a sério pode dar um trabalho danado.

É que é fácil demais compartilhar uma causa, "morrer" por uma verdade, eleger um ídolo ou um objetivo, manter amizades e casamentos quando a força que mantém o laço é... a conveniência. Disfarçada de fervor, é claro, porque em casos como estes, precisamos nos enganar a respeito da natureza das nossas próprias razões...

Quem não se sente um protozoário quando é forçado a ver que, por mais que coloque um turbante dourado com cacho de bananas na cabeça de sua conveniência, ela, ainda que vestida de Carmen Miranda, continua sendo a velha conveniência, sem borogodó nenhum?

O problema é que nem sempre o que é “conveniente” é o bastante para fazer uma pessoa feliz. Note bem que “dar-se por satisfeito” não é o mesmo que “sentir-se feliz”, embora muita gente não veja diferença entre uma coisa e outra. Compreensível: a maioria está tão acostumada a viver mal, a receber pouco, a valer quase nada, a sentir-se incompleta e a ser desconsiderada, que uma simples “satisfação” parece o bastante para que a vida continue do jeito que está.

Nas piores horas, quando a crise estoura, bancamos a Poliana __alguém se lembra do livrinho que fez a cabeça de milhares, anos atrás?__e apelamos para o “jogo do contente” e sua verdade absoluta:

-- Tudo podia ser pior. (Então é melhor se resignar).

Podia mesmo? Tem certeza? O que pode ser pior que a resignação motivada pelo comodismo? A constatação de que a vida passou e você, igual à Carolina, não viu?

Nunca fui com os "cornos" dessa Poliana. Já abdiquei de bons salários porque não era feliz no emprego. De casamento feliz que chegou ao fim, antes que a amizade também fosse pro brejo. De amizades que não me davam nada na famosa “troca” de afeto. De objetivos que não passavam de miragens, por mais que eu me esforçasse. Foi duro, mas valeu a pena não entregar os pontos e viver de sonho ou comodismo.

Pode doer muito abdicar da conveniência das situações, principalmente daquela conveniência que te faz ter ilusões disfarçadas de esperança.

Talvez valha mais a pena encarar logo que as coisas não vão tomar o rumo que você espera, porque costuma doer menos cortar a mentira pela raiz. Se tudo o que você tem é, lá no fundo, justamente a mentira, a promessa, o desejo, a expectativa... o que tem a perder? Um “nada” de verdade pode ser melhor do que um mundo inteiro de ilusão.

Tenho ojeriza ao fake: experimente colocar um colar de pérolas no pescoço da sua ilusão e me diga se ela, mesmo que seja linda e perfeita como uma estrela de cinema, consegue se passar por Audrey Hepburn.



A realidade pode ser lindíssima...

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9 comentários:

  1. Só quem tem muito traquejo, inteligência e talento _seu caso: a Carolina que vê o tempo passar e dele usufrui/apre(e)nde_consegue "carmirandear e hepburnizar" num texto tão realista e, ao mesmo tempo, denunciador, ou "puxador de orelhas" como este. E dando muito bem conta do recado, na lata!

    Realmente ,a conveniência, ainda que adornada, fica borocoxô, com olhos de terreno baldio, jamais com os incomparáveis olhos de Carmen, onde, caetanovelosamente, moviam-se discos voadores fantásticos. Nunca houve uma artista performática como C.M., assim como nunca houve mulher como Gilda.

    A pior verdade é sempre melhor do que uma mentira "maravilhosa". Vou poupá-la (até que enfim!) da mais caudalosas platidutes rsrs. Com minha pegada estóica, então, repito este achado poético do genial Mário Quintana. "Tá bão procê?
    Beiijão do EstiMarcos

    "Meu saco de ilusões, bem cheio tive-o.
    Com ele ia subindo a ladeira da vida.
    E, no entretanto, após cada ilusão perdida...
    Que extraordinária sensação de alívio".!

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  2. Wilma Oliveira
    Realmente você tem razão; quantas vezes não me senti contente, quando estava apenas conformada.
    Mas sabe é preciso coragem , e tenho fé que chego lá.

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    1. É, Wilma, às vezes nos falta a coragem. O que a gente não pode é desistir, porque "dar-se por satisfeito" é muito pouco, né?

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  3. Fernanda,

    Como sempre, muito bem escrito.

    O fato e, que e dificil a gente encarar a verdade. O medo do novo, faz a gente se acomodar, pelo medo do fracasso.
    Feliz aquele que arrebenta as correntes, e vive o seu "eu" verdadeiro.

    Lygia Fagundes Telles

    A perplexidade do moço diante de certas considerações tão ingênuas, a mesma perplexidade que um dia senti. Depois, com o passar do tempo, a metamorfose na maquinazinha social azeitada pelo hábito de rir sem vontade, de falar sem vontade, de chorar sem vontade, de falar sem vontade, de fazer amor sem vontade... O homem adaptável, ideal. Quanto mais for se apoltronando, mais há de convir aos outros, tão cômodo, tão portátil. Comunicação total, mimetismo: entra numa sala azul, fica azul, numa vermelha vermelho. Um dia se olha no espelho, de que cor eu sou? Tarde demais para sair pela porta afora.

    ( Eu era mudo e só - Livro: Antes do Baile Verde)
    Lygia Fagundes

    Felicidades

    Gilda

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    1. Gilda, gostei demais deste livro, quando o li. Preciso ler de novo. Gosto muito da dona Lygia, pessoa que já tive a sorte de entrevistar, e que é um ótimo papo! bjs!

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  4. Não me contenho. Preciso elogiar o post da Gilda. Adooooooooooro a escritora, Dona L.F.T., mas não conhecia este texto dela:enxuto e visceral...supimpa!...sobre a imperdoável perda de identidade

    Tenho quase "trauma" rsrs, quanto à esta questão da nossa essência, da nossa especificidade, que, graças a mim e ao TODOPODEROSO e a duras penas...mantive, apesar das tentativas fascistóides rsrs...de "normatização" social.

    Não se nega o que se traz por dentro.
    Valeu, Gilda, ótima sua sua colaboração.
    Marcos Lúcio

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  5. Mauro Pires de Amorim.
    Essa questão da verdade de cada um, por vezes é complicada para própria pessoa entender e encontrar seu(s) caminho(s).
    Mas sem dúvida, o pior é quando outros(as) arvoram-se de donos(as) da verdade alheia, buscando manipular os(as) outros(as), por puro hedonismo maniqueísta.
    Pura necessidade de exibcionismo de poder. Ainda que seja um falso poder, pois tudo que é forçado, manipulado, é anti-natural.
    O verdeiro poder implica em deixar fluír
    naturalmente, deixar os(as) outros(as) existirem. Lamentavelmente, os(as) infelizes e mal resolvidos(as), enxergam os(as) outros(as) como seus lixões, onde descarregam suas porcarias, por não terem coragem de ser como eles(as).
    A verdeira ajuda, tem que estar de acordo com a pretenção e situação de quem é ajudado. Se não pode ajudar, melhor não fazer nada! Para destruír qualquer coisa, basta ser um(a) imbecil, mas para se construír qualquer coisa, é preciso conhecimento,
    comprometimento, respeito, bom caráter e boa consciência. Caso contrário, não passa de cinismo disfarçado de bom samaritanismo.
    Felicidades e boas energias.

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  6. Obrigada,Marcos Lucio pelas palavras. LFT e demais.

    Tambem aprecio seus comentarios, e ja passei para alguns amigos que estao indo viajar,as dicas que voce e a Fernanda citou no blog sobre Paris, Holanda, Italia.

    Como voce ve, a vida e uma estrada de mao dupla.

    Felicidades,

    Gilda Bose

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