quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Estupro ainda é coisa de mulher

(Publicado no Jornal do Brasil em 01/03/2011)

Se existe um filme que, aos meus olhos, foi um divisor de águas, é “O Anjo Exterminador”, do espanhol Luis Buñel: família chique recebe convidados chiques para um jantar... a noite passa na maior das educações e mesuras... até que, por algum motivo que o filme não explica, e só a cabeça genial e criativa do diretor poderia bolar, os convidados não conseguem sair da casa.

Pronto! Entra em cena a selvageria.

Anos mais tarde, descobri José Saramago, aquele português que tinha olhos para “estes animaizinhos que somos”, como ele mesmo escreveu, em seu maravilhoso “Ensaio sobre a cegueira”... e mais uma vez detive meu pensamento na selvageria que corre nas nossas veias.

É de impressionar o quanto selvagens podemos ser. O tão pouco que é preciso para que este dom aflore e devaste tudo: do relacionamento de uns, à vida inteira de outros.

E é justamente a selvageria que faz do estupro uma prática mais comum e mais aceitável, nas sociedades atuais, que o canibalismo, o incesto e a pedofilia. Por que será que estes três tabus chocam as pessoas, enquanto que o estupro, um crime, não choca quase ninguém? E é tão comum?

O ataque sexual sofrido pela jornalista sul-africana lara Logan, em praça pública, no Cairo, e as piadas feitas a respeito, por blogueiros americanos, são o reflexo de uma cultura que avança tecnologicamente e mantém vivas as raízes pré-históricas das relações de poder entre os sexos, marcadas pela força e pela submissão.

Na Africa do Sul, campeã mundial de estupros, há até a modalidade “corretiva”, que tem como finalidade “curar” as lésbicas. Lendo sobre o assunto, soube que as meninas sul-africanas têm mais chances de serem estupradas do que alfabetizadas... ao passo que os meninos aprendem que estuprar não é errado e não faz mal a ninguém. Ao que parece, as mulheres, lá, não são ninguém... assim como em tantos outros lugares deste mundo.

No Congo, as mulheres que padecem de abuso sexual apenas uma vez na vida são consideradas sortudas. Nos Estados Unidos, nem as heroínas nas Forças Armadas podem esperar por respeito ou proteção, porque entre os homens que estão ali para proteger o país, há também carrascos sexuais que se divertem com o sexo forçado de suas colegas de trabalho.

No Brasil, onde o estupro é considerado crime hediondo, a realidade é a mesma, e os números sobem no interior do país e nas grandes cidades... ao mesmo tempo que meninas cada vez mais novas __de zero a 12 anos__ lideram o ranking das vítimas em alguns estados, como Minas Gerais. Mas a penalidade, de seis a dez anos em regime fechado, parece não desmotivar os adeptos, e por quê?

Porque a legislação, feita por homens, desconsidera o peso real deste crime: o horror vivido pela mulher, o trauma, a vergonha, a impotência, a submissão, o desrespeito máximo. E a dor que a acompanha vida afora, porque, como é sabido, o estupro não acaba no momento em que o estuprador vai embora.

Parece mais fácil, para as sociedades, entender a brutalidade e o absurdo do canibalismo, do incesto e da pedofilia, adventos horrendos e aos quais qualquer ser humano __ e não apenas as mulheres __ estão sujeitos.

E ainda que a lei de alguns países, como o próprio Brasil, já reconheçam que homens também podem ser estuprados, este continua sendo um crime cujas vítimas são, tipicamente, e em sua maioria, mulheres, inclusive as respeitáveis senhoras casadas, muitas vezes estupradas incessantemente por seus próprios maridos... e meninas indefesas, muitas vezes estupradas por seus pais e irmãos. E o que dizer de maridos que não perdoam suas mulheres por terem sido estupradas, como se a culpa fosse delas, ou como se elas, agora, fossem sujas? Não pasme! Tudo isso é verdade e acontece... nas melhores famílias.

Por tudo isso, e além de ser um problema que, em sua maioria, tem a ver com a mulher, e não raro desestrutura a família, além de condenar um macho... o estupro segue cada vez mais comum no mundo civilizado.

 "O Estupro", de Edgar Degas

Um comentário:

  1. Pela primeira vez, queriDannemann vou poupá-la da minhas mal digitadas linhas.Tenho medo de tornar ácidas ou agressivas minhas palavras, pelo tanto de asco, revolta e indignação que tanto o vocábulo quanto o famigerado e imperdoável ato causam ao meu psiquismo. Graças a Deus nunca fui vítima desta monstruosidade. Que Deus conforte às infelizes e vitimadas criaturas.
    Abração
    Marcos Lúcio

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