sábado, 19 de maio de 2012

Carolina Dieckmann estreia no Coliseu

Toda esta história do roubo das fotos da Carolina Dieckmann levanta uma questão fundamental a respeito da hipocrisia em que vivemos. Quando vi a entrevista em que atriz, com a voz embargada e os olhos marejados, diz que não fez nada de errado, tive vontade de dar um abraço nela.

Vítima de um crime hediondo, que é a chantagem, ela acertou ao não ceder e pagar os dez mil reais, dinheirinho miserável diante da situação. Acertou ao chamar a polícia e ao compreender que o mal já estava feito.

Com a farra das máquinas digitais e dos celulares que fotografam e filmam, o povo descobriu que qualquer um pode ser astro pornô em casa, que qualquer mulher pode, na intimidade do lar, bancar a Sharon Stone diante da lente do marido, cacho ou namorado... e a brincadeira turbina os relacionamentos.

Nossa, quanta gente eu conheço que assume este joguinho erótico... e quantos conheço que não assumem, e que apesar disso também se divertem entre as quatro paredes do quarto! Sabe a história do sexshop, que ninguém freqüenta? E como é que existe tanto sexshop por aí?

A mulherada vai à praia de fio dental, desfila pela cidade com suas calças apertadíssimas, marcando cara furo de celulite... as bancas de jornal esbanjam revistas de mulher pelada, as novelas da Globo e os filmes escancaram cenas tórridas de sexo ou erotismo, a Internet está abarrotada de fotos e filmes que mostram todo tipo de sacanagem, a indústria do filme pornô está cada vez mais forte, assim como a liberdade sexual, que só cresce... e as fotos da Carolina vêm causar todo este estardalhaço?!

Hipocrisia total. E só por que ela é atriz da Globo? Não acredito, porque se a mesma coisa acontecer com uma mulher anônima, o estrago moral será o mesmo, não importa se a intimidade for exposta a dezenas ou a milhões.

O corre-corre à Internet para ver as fotos de Carolina deve-se a quê? Ela é uma mulher como qualquer outra: tem uma bunda, dois peitos, pêlos púbicos mais abaixo do umbigo. E só. Tirou as fotos para o marido, exatamente como tanta gente já fez, faz e vai fazer. Teve a infelicidade de ser roubada, chantageada e exposta diante do Coliseu que é a nossa sociedade, esta plateia invejosa, maledicente, sedenta pelo horror alheio...

Chora não, Carolina. A vida é muito mais do que tudo isso. E você não fez mesmo nada de errado. Pelo contrário, fez a coisa certa.


E já que o assunto é o Coliseu em que vivemos, seguem abaixo dois posts que publiquei no Jornal do Brasil, em julho de 2010, quando estava em ebulição o caso de barbárie que chocou o país, ao mesmo tempo em que fez vir à tona a morbidez da curiosidade, da fofoca e da maledicência que envenena o gênero humano:

BRUNO E ELIZA SAMUDIO NA ARENA DO COLISEU
(09/07/2010)

Há alguns anos tomei uma decisão tão difícil quanto importante, e que mudou radicalmente o rumo da minha vida: deixei de acompanhar a cobertura jornalística de casos violentos. Foi uma mudança que mexeu com vários aspectos da minha rotina, afinal de contas sou jornalista! Pra começar, tive que buscar um outro caminho profissional, longe das redações.

Minha vida melhorou muito. Fiquei mais calma, mais confiante na felicidade e venho conseguindo pensar que o ser humano também tem seu lado bom. Porque não se engane... a cada caso escabroso que acontece, nosso subconsciente reforça mais a idéia de que o homem é mau, o mundo é cão e a vida é um perigo constante.

Lamentavelmente, fico por dentro dos detalhes sórdidos de cada crime hediondo que acontece simplesmente porque ando pelas ruas. Agora mesmo, parece não haver outro assunto no Brasil que não seja esta história horrenda protagonizada por seres saídos do Inferno de Dante.

Além do enredo tétrico, a reação popular também me impressiona: realmente não vejo indignação nas pessoas; o que vejo é o público de um imenso Coliseu. Toda a tragédia parece ter se transformado num show macabro. Até o programa da Ana Maria Braga, direcionado às donas de casa que gostam de cozinha e de trabalhos manuais, virou palco para detalhadas reportagens sobre a barbaridade. E a audiência sobe!

O povo, chocado, vai engolindo as informações sem se dar conta de sua curiosidade mórbida, ávida por mais: estamos mesmo na arquibancada do Coliseu, onde não há respeito nenhum pelo sofrimento de Eliza Samudio. O sofrimento dela é a mola propulsora de tudo isso; da mesma maneira que o sofrimento dos personagens da série cinematográfica “Jogos Mortais” estoura a bilheteria dos cinemas... e qual é mesmo o slogan da sétima arte? “Cinema é a maior diversão”.

Ninguém entende como uma das estrelas do time de futebol mais popular do país jogaria fora um futuro de sucesso e dinheiro na Europa para matar alguém __e brutalmente. Minha teoria é simples: as pessoas são o que são. Antes de ser um atleta, tal pessoa seria um assassino da pior espécie, se é que assassinos têm espécies “melhores” ou “piores”.

Todos temos Deus e o diabo dentro de nós. De certa forma, nossa consciência descansa um pouco quando encontramos um Judas pra malhar, e quanto maior a crueldade do Judas da vez, menor se torna o nosso lado negro. A cada crime hediondo que acontece, podemos nos esquecer um pouco nossa própria violência interna; nossos ódios, ressentimentos, cobiças, traições, omissões, desejos de vingança...

É como se, diante de bárbaros como Suzane Richthofen, os Nardoni e a tal “procuradora” que tortura crianças, nós fôssemos a cópia do Arcanjo Miguel.

É uma pena, mas não somos.



ELIZA SAMUDIO NO BANCO DOS RÉUS
(14/07/2010)

Já seria triste se não fosse trágico: ouvir por aí __ou ler, nos comentários enviados ao blog Rio Acima__ as críticas que vêm sendo feitas a Eliza Samudio. O que ela fez ou deixou de fazer para trabalhar não interessa a ninguém: se foi atriz pornô, se fez sexo por dinheiro... alguém aí tem alguma coisa a ver com isso?

Se é absurdo um homem dizer que Eliza fez por merecer, é tristíssimo ver mulheres que também a apedrejam e chegam a presumir o quanto “aquele rapaz deve ter sido perseguido por ela”, dando a entender que a vilã teve mesmo o que mereceu.

Eliza Samudio estava longe de ser santa, eu sei. Mas nós também estamos.
E o caso é que, se é que sonhou mesmo em faturar uma boa pensão alimentícia, até onde se sabe ela não foi suspeita de sequestrar nem de assassinar ninguém... como se vê, sua fama poderia ter sido bem pior, mas não chegou nem perto disso. No entanto, não é pequena a fração da opinião feminina que se volta contra ela, a "pecadora, oportunista, aproveitadora". Até parece que não há por aí mocinhas que sonham com uma boa pensão alimentícia... com filho ou sem. Até mesmo atrizes de grandes emissoras estão neste rol, mas a estas ninguém chama "Maria Chuteira".

Triste demais constatar que as próprias mulheres jogam suas pás de cal sobre o machismo e a violência que se abate sobre suas iguais, para defender gente como o playboy Doca Street, que assassinou Ângela Diniz, nos anos 70: eu era muito nova quando ele foi julgado, mas me lembro da indignação da minha mãe e das minhas tias, ao ver, na televisão, manifestações femininas a favor de Doca. O argumento da defesa? Ele era bonito, ao passo que Ângela era uma “devoradora de homens” cuja vida não valia nada.

O desprezo que o gênero feminino parece alimentar por si mesmo tem raízes culturais. Na Antiga Grécia, evoluída em relação aos bárbaros da época, uma das versões para a história de Medusa conta que ela era uma bela e virgem sacerdotisa de Atena, deusa da sabedoria e da guerra, e foi estuprada por Poseidon, sendo, por isso, transformada em monstro justamente por aquela que deveria tê-la protegido: a própria Atena, furiosa, que a considerou culpada da violência que sofreu! Segundo o poeta e formador de opinião Ovídio, a punição teria sido “justa” e “merecida”...

É de se lamentar que este mundo, tão difícil para a mulher, seja, em parte, resultado das ações dela própria, que educa seus varões sem ensiná-los a respeitar e a valorizar tudo o que seja feminino. Ao contrário: são muitas as que criam misóginos que aprendem a ver as mulheres como “mal necessário”, serviçal ou objeto sexual, cuja vida não tem valor algum.

“Prendam suas cabritas porque o meu bodinho está solto”, dizem as mães dos rapazinhos, cheias de orgulho. Já as meninas, que tristeza... dançam as modernas versões do “Tchan” cada vez mais novas e são incentivadas a acreditar que é melhor desenvolver os glúteos, em vez de investir na inteligência. Quando crescem, são incapazes de se dar valor, porque aprenderam que não valem mesmo nada.

7 comentários:

  1. "A Sangue Frio" - Truman Catpote. Entrei pelo filme adentro, na época, pois o assunto investigação do instinto humano sempre fez de mim uma caçamba amarrada, destas que são jogadas para um lado e para o outro sem mérito e sem desconfiança (desprezada). Truman também se deixou levar, para tentar desvendar - o que não foi possível na história do filme. O filme termina sem a resposta da sua investigação. Foi necessário ser assim (no meu caso), para poder - por fim, obter uma lógica a respeito do por quê do homem mau. Tudo é apenas uma questão antropológica. O homem para poder comer precisa matar - galinha, boi, etc. Se hoje em dia existe direitos humanos e, a evolução desses direitos, é graças a genética que ampliou em 4 vezes o caroço de milho da época de Cristo, além é claro, da tecnologia de cultivo. Todos os conquistadores expandiram suas fronteiras e seus exércitos saqueando os agricultores de sua época e arrebanhando seus filhos para saquearem outros agricultores e exércitos inimigos. Tudo por um único motivo, o medo da fome. Repare Fernanda o quanto é muito mais produtivo (sei que você já reparou muito bem), viver de acordo com a sua consciência, independente da lógica de trabalhar para comer. Comer hoje em dia está diluído em supérfluos mas experimente ficar umas horas sem comer, forrar o estômago. Muito alta porcentagem dos crimes, são cometidos por quem conhece ou conheceu bem a fome. A parte engraçada, tragicômica desse negócio de investigar a maldade humana é que eu mesmo cuidei pouco de mim. É preciso perceber o quanto tive que entregar para obter alguma resposta. Não lamento, mas necessito que se compreenda que não lamento. Entendi na época que precisava me despojar para entender o que desejei buscar. Tudo, no início, aconteceu por instinto e, hoje entendo o porque desse "instinto".

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    1. Alfredo, se todas as pessoas do mundo que conheceram a fome resolvessem comenter crimes, seria realmente o fim de tudo. A fome não é justificativa para chantagem, assassinato, sequestro, estupro, colarinho branco, difamações, calúnias etc... como bem escreveu Machado de Assis, "a ocasião não faz o ladrão: o ladrão nasce feito". Abraços!

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  2. QueriDannemann...os 3 posts são irretocáveis e pra lá de assertivos. Assino embaixo e destaco a parte em que que você coloca o dedo na ferida que considero a maior, neste caso:
    "É de se lamentar que este mundo, tão difícil para a mulher, seja, em parte, resultado das ações dela própria, que educa seus varões sem ensiná-los a respeitar e a valorizar tudo o que seja feminino". Bingo!.

    Para mão macular ou prejudicar suas bem traçadas linhas,, com minhas tonterias rsrs, resolvi colocar mais pimenta malagueta no seu vatapá de argutas palavras, lançando mão do auxílio luxuoso do perspicaz e oportuno texto a seguir. Tomara que seja colaborativo e do seu gosto e jeito.
    Lamento, mas terei de fazer dois posts...desculpe.
    Abraço forte!
    Marcos Lúcio

    Lya Luft
    A sordidez humana

    "Que lado nosso é esse, feliz diante da desgraça
    alheia? Quem é esse em nós, que ri quando
    o outro cai na calçada?"

    Ando refletindo sobre nossa capacidade para o mal, a sordidez, a humilhação do outro. A tendência para a morte, não para a vida. Para a destruição, não para a criação. Para a mediocridade confortável, não para a audácia e o fervor que podem ser produtivos. Para a violência demente, não para a conciliação e a humanidade. E vi que isso daria livros e mais livros: se um santo filósofo disse que o ser humano é um anjo montado num porco, eu diria que o porco é desproporcionalmente grande para tal anjo.

    Que lado nosso é esse, feliz diante da desgraça alheia? Quem é esse em nós (eu não consigo fazer isso, mas nem por essa razão sou santa), que ri quando o outro cai na calçada? Quem é esse que aguarda a gafe alheia para se divertir? Ou se o outro é traído pela pessoa amada ainda aumenta o conto, exagera, e espalha isso aos quatro ventos – talvez correndo para consolar falsamente o atingido?


    O que é essa coisa em nós, que dá mais ouvidos ao comentário maligno do que ao elogio, que sofre com o sucesso alheio e corre para cortar a cabeça de qualquer um, sobretudo próximo, que se destacar um pouco que seja da mediocridade geral? Quem é essa criatura em nós que não tem partido nem conhece lealdade, que ri dos honrados, debocha dos fiéis, mente e inventa para manchar a honra de alguém que está trabalhando pelo bem? Desgostamos tanto do outro que não lhe admitimos a alegria, algum tipo de sucesso ou reconhecimento? Quantas vezes ouvimos comentários como: "Ah, sim, ele tem uma mulher carinhosa, mas eu já soube que ele continua muito galinha". Ou: "Ela conseguiu um bom emprego, deve estar saindo com o chefe ou um assessor dele". Mais ainda: "O filho deles passou de primeira no vestibular, mas parece que...". Outras pérolas: "Ela é bem bonita, mas quanto preenchimento, Botox e quanta lipo...".

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  3. Continuidade do post anterior...
    Detestamos o bem do outro. O porco em nós exulta e sufoca o anjo, quando conseguimos despertar sobre alguém suspeitas e desconfianças, lançar alguma calúnia ou requentar calúnias que já estavam esquecidas: mas como pode o outro se dar bem, ver seu trabalho reconhecido, ter admiração e aplauso, quando nos refocilamos na nossa nulidade? Nada disso! Queremos provocar sangue, cheirar fezes, causar medo, queremos a fogueira.

    Não todos nem sempre. Mas que em nós espreita esse monstro inimaginável e poderoso, ou simplesmente medíocre e covarde, como é a maioria de nós, ah!, espreita. Afia as unhas, palita os dentes, sacode o comprido rabo, ajeita os chifres, lustra os cascos e, quando pode, dá seu bote. Ainda que seja um comentário aparentemente simples e inócuo, uma pequena lembrança pérfida, como dizer "Ah! sim, ele é um médico brilhante, um advogado competente, um político honrado, uma empresária capaz, uma boa mulher, mas eu soube que...", e aí se lança o malcheiroso petardo.

    Isso vai bem mais longe do que calúnias e maledicências. Reside e se manifesta explicitamente no assassino que se imola para matar dezenas de inocentes num templo, incluindo entre as vítimas mulheres e crianças... e se dirá que é por idealismo, pela fé, porque seu Deus quis assim, porque terá em compensação o paraíso para si e seus descendentes. É o que acontece tanto no ladrão de tênis quanto no violador de meninas, e no rapaz drogado (ou não) que, para roubar 20 reais ou um celular, mata uma jovem grávida ou um estudante mal saído da adolescência, liquida a pauladas um casal de velhinhos, invade casas e extermina famílias inteiras que dormem.

    A sordidez e a morte cochilam em nós, e nem todos conseguem domesticar isso. Ninguém me diga que o criminoso agiu apenas movido pelas circunstâncias, de resto é uma boa pessoa. Ninguém me diga que o caluniador é um bom pai, um filho amoroso, um profissional honesto, e apenas exala seu mortal veneno porque busca a verdade. Ninguém me diga que somos bonzinhos, e só por acaso lançamos o tiro fatal, feito de aço ou expresso em palavras. Ele nasce desse traço de perversão e sordidez que anima o porco, violento ou covarde, e faz chorar o anjo dentro de nós.

    Lya Luft é escritora

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    1. EstiMarcos, eu já conhecia este texto da Lya Luft, realmente é lindo e verdadeiro. Uma excelente lembrança aqui a todos nós. Obrigada!

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  4. Mauro Pires de Amorim.
    É Coliseu mesmo! Nossa sociedade tem a herança sádica e violenta dos inspiradores da cultura ocidental, os romanos. Principalmente na época da república e do império, já que na fase do reino, a inicial, quando Roma não era tão poderosa assim, eles eram mais humildes e diplomáticos. Provavelmente, em função de haverem outros povos vizinhos que poderiam dar-lhes duras lições, então, era muito mais questão de prudência.
    Na fase final do declínio e desmoronamento do Império Romano do Ocidente, após a aceitação e adoção, por conveniência populista dos políticos e governantes, da fé cristã, por meio da fundação da Igreja Católica Apostólica Romana e mesmo na fase anterior, após terem massacrado e torturado os cristãos, passaram a fazer o mesmo com os(as) chamados(as) "heréticos(as)". Persseguindo-os(as) história afora, culminando no ápice da loucura sádica, nos Processos Cléricos Inquisicionais, igualmente aceitos e permitidos pelos políticos e governantes.
    Nada contra os(as) italianos(as), muito menos qualquer religião, já que acredito que, gente boa e gente ruim, existe em qualquer lugar, apesar de ter a consciência que o exercício do poder, seja uma tentação para o afloramento frívolo das piores e depravadas tendências sado-tirânicas existentes em cada um.
    Dessa forma, não é de se estranhar, que pessoas sintam prazer em delegar tempo e energia, para causar, curtir e difundir, a dor e o prejuízo de outrem, principalmente quando a vítima, trata-se de pessoa pública. Isso dá publicidade cultural aos causadores, curtidores e difusores!
    Felicidades e boas energias.

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  5. É verdade Fernanda,a Carolina fez muito bem não ter pago a quantia que os bandidos pediram,pois se ela tivesse pago,certamente eles voltariam a pedir mais,e dessa forma,isso se transformaria numa bola de neve...
    É lamentável,que isso possa acontecer com qq um de nós,através de uma ferramenta de tanta utilidade para todo mundo. Bjs.

    Monica.

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