segunda-feira, 28 de maio de 2012

O bem, às vezes, chega disfarçado de mal

Li no jornal sobre a vida do treinador físico William Vorhees, o rapaz que nasceu numa favela carioca e, astro de um roteiro surpreendente no teatro da vida, virou a mesa bem na cara do tal "destino traçado".

Ainda bem novo, foi parar na Funabem, aquela instituição governamental que deveria cuidar de crianças sem guarda familiar, mas que, em vez disso, segundo relatos, fazia da infância um terror. O menino foi parar ali porque uma vizinha, a pretexto de fazer um bem, fez a denúncia que mudou tudo, ao avisar as autoridades que ele ficava sozinho em casa quando a mãe saía para trabalhar.

Contrariando todas as expectativas, William tirou o melhor que pôde do inferno onde estava, e foi ali mesmo, na absoluta solidão infantil, que descobriu seu talento para o atletismo: para sobreviver no ambiente em que se encontrava, agarrou-se à única oportunidade, que lhe chegou através do esporte. Virou corredor, depois campeão, em seguida bolsista de faculdade, professor de educação física, aluno de teatro e, finalmente, treinador de estrelas de televisão.

Ao final da reportagem, pensei na tal vizinha... aquela que chamou a Funabem para "proteger" o garoto de quatro anos dos descuidos maternos. Se pensou fazer um bem, a princípio ela fez exatamente o contrário ao jogar o menino no universo violento do internato e, com isso, fazer sofrer não só ele, mas a mãe também, que lutava em dois empregos para pagar as contas e sustentá-lo.

Mas não é que o mal acabou tornando-se, por fim, um bem? Foi tentando fugir do horror que o menino encontrou a chave que revolucionou sua existência...  talvez ele tivesse feito esta mesma revolução em casa, no calor dos braços da mãe. Mas isso é conjectura, jamais saberemos...

Quantas vezes nos revoltamos com gente que nos prejudica, sem nos darmos conta do benefício que vem oculto entre as dobras da maldade alheia?  Olhe aí nos capítulos da sua vida e verá que, certamente, ao menos uma vez aconteceu alguma coisa maravilhosa em decorrência de uma aparente sacaneada que alguém lhe deu. Assim como aconteceu com William, eu também já vi este filme: o tempo me mostrou que a pessoa que mais quis me prejudicar acabou pavimentando meu caminho para a felicidade... e por isso mesmo deixei de sentir aquele velho rancor, porque passei a vê-la como mensageira do bem, ainda que ela própria não se dê conta disso. Algumas pessoas são más por opção.

Aprendi que nem sempre o que parece ser o mal de fato o é: no mistério da vida, a árvore da alegria muitas vezes brota das sementes mais impensáveis.


10 comentários:

  1. Fernanda,sabe aquele dito popular,"Deus escreve certo por linhas tortas?" Pois é.

    Monica.

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  2. Mais um excelente post, queriDannemann..."comme d'habitude".

    Para abrir os trabalhos, a luz do Chico Xavier, sempre bem-vinda: "Agradeço todas as dificuldades que enfrentei; não fosse por elas, eu não teria saído do lugar. As facilidades nos impedem de caminhar. Mesmo as críticas nos auxiliam muito

    Os antigos diziam que a topada ajudava a caminhada

    A fenomenal Clarice Lispector lembra-nos que "só chaleira fervendo é que levanta a tampa", assim como:"Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente".

    Para o Nietszche, o que não mata, fortalece.

    Fato é que pessoas que passaram por experiências difíceis tiveram a chance de desenvolver melhor suas habilidades para lidar com problemas, que são parte intrínseca da vida de qualquer mortal.

    Gente que aprende com as adversidades, na verdade, as grandes mestras, utilizam as pedras que lhe atiraram para construir sua fortaleza emocional, dando, assim, a volta por cima e transformando o limão da vida em caipirinha...e com cachaça mineira, "bien sûr"!

    iHá uma historinha bem emblemática para refletirmos:
    Por uma pequena vila um dia passou uma manada de cavalos a caminho da capital do reino. Um garoto encantou-se por um pequeno potro, e acabou ganhando o cavalinho de presente do cavaleiro-chefe. “Que sorte teve seu filho”, comentou um vizinho com o pai do garoto. “Pode ser sorte ou pode ser azar”, respondeu o pai. O tempo passou, e o cavalinho crescia ao lado do garoto feliz. Entretanto, um dia o cavalo fugiu.“Que azar teve seu filho”, interpretou o mesmo vizinho. “Pode ser azar ou pode ser sorte”, argumentou o pai. Alguns dias depois o potro voltou para o curral, trazendo com ele uma pequena manada de cavalos selvagens. “Que sorte teve seu filho”, insistiu o vizinho palpiteiro.Mais uma vez o pai ponderou que “pode ser sorte ou pode ser azar”.

    O menino pôs-se, então, a domar os cavalos, e nessa tarefa acabou caindo e fraturando a perna, o que o deixou imobilizado, sem poder montar nem andar. “Que azar teve seu filho”, disse o mesmo homem. “Pode ser azar mas pode ser sorte”, retrucou o pai, mais uma vez. Foi quando o país a que pertencia a aldeia entrou em guerra e todos os jovens foram convocados e enviados para batalhas sangrentas, mas o jovem não foi, pois estava acamado. “Que sorte teve seu filho”... – e assim a história pode não ter fim.
    Alguns males que acontecem em nossas vidas podem se transformar em coisas boas, melhores até do que se o mal não tivesse acontecido. Pode ser apenas coincidência, ou pode derivar da capacidade que o ser humano tem de se recuperar, reorganizar os fatos e ter, ao fim e ao cabo, um balanço positivo a partir de situações aparentemente negativas. É quando dizemos, otimistas, que há males que vêm para o bem.
    Santé e axé!!!
    Beijão
    Marcos Lúcio

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  3. Fernanda,

    O exemplo do William Vorhees, junto com os seus comentarios,tao bem descritos, que sirva de exemplo e otimismo para aqueles que passaram, estao passando ou irao passar por situacoes dificeis, pois a luz muitas vezes esta no fim do tunel, cabe a cada um de nos,quebrar as barreiras.

    Felicidades,

    Gilda Bose

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  4. Fernanda,

    Lembrei de uma musica cantada por Maria Bethania.

    Sonhar mais um sonho impossível
    Lutar quando é fácil ceder
    Vencer o inimigo invencível
    Negar quando a regra é vender

    Sofrer a tortura implacável
    Romper a incabível prisão
    Voar num limite improvável
    Tocar o inacessível chão

    É minha lei, é minha questão
    Virar este mundo, cravar este chão
    Não me importa saber
    Se é terrível demais
    Quantas guerras terei que vencer
    Por um pouco de paz

    E amanhã se este chão que eu beijei
    For meu leito e perdão
    Vou saber que valeu
    Delirar e morrer de paixão

    E assim, seja lá como for
    Vai ter fim a infinita aflição
    E o mundo vai ver uma flor
    Brotar do impossível chão

    Beijos

    Gilda Bose

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  5. Conheci uma pessoa que tinha, na sua mesa de trabalho, uma placa de metal com a seguinte frase: "Herrar e Umano".
    O "bem" e o "mal" eh tao relativo quanto o "certo" e o "errado". Sao palavras que usamos e se usamos quando emitimos uma opiniao sobre atitudes de outros estamos condenando ou aprovando uma acao.
    Eh como querer ajudar sem saber como atuar e, por consequencia, causa mais transtornos do que solucao, a que se pretendia.
    Quantos ja foram transformados em "herois" por outros? "herois fabricados"...
    O bem ou o mal esta dentro de cada um. Esta na maneira de como ve, de como interpreta, de como comenta. Esta no inconsciente e quando se externa, por vezes, o faz de forma erronea.

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  6. Quase não cri nesta feliz coincidência. Quando vi a foto linda do post...´pensei imediatamente na música que a Gilda postou e só não a utilizei, porque escolhi recontar a tal historinha-seminal- que está no meu modesto comentário.

    Mas para completar ou rechear a excelente escolha da Gilda, seguem os devidos créditos, ok?

    Maria Bethânia cantou no excepcional show A Cena Muda , a música “Sonho Impossível”. Essa é uma versão feita por Chico Buarque e Ruy Guerra da música original “The Quest – The Imposible Dream”,composta, no passado, especialmente para o musical Dom Quixote, na Broadway, e é de autoria original de Joe Darion e Mitch Leigh.

    Abração para a querida blogueira e para a comentarista inteligeente, sensível e de muiiiiiiito bom gosto.

    P.S. Adooooooooro esta música, decorei-a, e vi mais de uma vez este show em tempos de antanho rsrs, e considero o melhor da trajetória da Beta, Beta, Bethânia, sem desmerecer os demais. Esta peculiar e grande artista, possui uma vitoriosa carreira que faço questão de acompanhar (exceto quando gravou a simplória ou banal É o amor, do Zezé de Camargo, cruzes!), também porque ela declama Fernando Pessoa, Guimarães Rosa e Clarice Lispector em quase todos os espetáculos.
    Marcos Lúcio

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  7. EstiMarcos... se você gostou da foto, imagina o que eu senti, quando cheguei diante do vasinho de violetas que tinham morrido, e vi aquela coisinha tão linda ali, pequenininha, me dizendo "oi". Fiz a foto e guardei para quando houvesse uma oportunidade. Não valeu?

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  8. Fernanda,

    Para voce ve o efeito de uma foto .....

    Lembrei da musica, o Marcos Lucio com o seu conhecimento deu informacoes sobre ela,da qual eu nao sabia, entrei no Google, tirei a musica original em ingles, vi no video um trecho do filme "Don Quixote" = com Peter O'Toole, Sophia Loren e James Coco, 1972 - dirigido por Arthur Hiller.....enfim, o seu blog esta o "must"

    Nao tinha assistido o filme, e nem a peca de teatro com Paulo Autran e Bibi Ferreira.

    Beijos

    Gilda

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    1. Gilda, eu adoro quando acontece isso, porque aí eu sinto o blog com vida... em vez de achar que estou falando (ou escrevendo) para as paredes. Beijos

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  9. O resultado final da maldade feita por outro depende muito da nossa capacidade de lidar com o problema. Uns podem ficar lamentando como vítimas para sempre e outros podem "levantar, sacodir a poeira e dar a volta por cima". O inimigo pode ser um fator de aprimoramento em nossas vidas quando sua ação nos instiga a responder construtivamente. Já li em algum lugar que se deve respeitar o inimigo porque ele é um mestre que te ensina a lidar com suas fraquezas.

    Rolivers

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