sexta-feira, 1 de junho de 2012

Lula e o fim das empregadas domésticas




Concordo que, para muitos, o termo “empregada doméstica” soa mal. Aqui mesmo onde eu moro, lugar cheio de gente que sonha em ser madame, esta expressão caiu em desuso. O porteiro me liga pelo interfone:

-- Dona Fernanda, sua secretária tá aqui em baixo.

-- Eu não tenho secretária.

E ele, descadeirado:

-- É a moça que ajuda a senhora com a faxina...

Ainda não sei como é que “empregada” e “faxineira” não viraram “colaboradoras”. Dia desses, o rapaz que limpa os vidros aqui de casa chegou para o serviço e me pegou com o cabelo pra cima e a vassoura na mão. Ficou chocado:

-- A senhora consegue?!

É, fia... limpar a casa parece que já não é coisa pra qualquer um...

Ontem entrei no elevador com o jornal na mão. Em outro andar, entrou a moça que trabalha como diarista em algum apartamento vizinho. Vendo a foto do Lula na primeira página, ela comentou (acho que para si mesma):

-- Estão metendo o pau no Lula de tudo quanto é jeito...

-- -É... você gosta dele? – perguntei

-- Gosto.

-- Eu também.

Ela se surpreendeu, e eu fui pelo mesmo caminho:

-- A senhora?! Não pensei que madame gostasse do Lula...

De minha parte, acho que o Lula também não gosta das madames, mas concordo com ele que a nossa elite torce mesmo o nariz para pobre que anda de avião...

Embora eu creia nos bons sentimentos do ex-presidente, quando ele diz que o Brasil tem que acabar com as empregadas domésticas para entrar no Primeiro Mundo, acho esta sua fala uma distorção, porque soa como se a profissão fosse “menor”. Além do mais, não é raro que em países desenvolvidos as faxineiras e babás sejam provenientes de lugares como... o Brasil!

Eu sei, eu sei que há muitas patroas por aí que exploram suas “colaboradoras” e fazem delas verdadeiras escravas. Mas esta não é uma verdade absoluta... não acredito, por exemplo, que a dona Marisa trate mal sua “secretária”... ou que queira abrir mão dela e pegar pesado no batente. A escritora Ruth Rocha certa vez me disse algo mais ou menos assim:

-- Quem tem que entrar pela porta da frente da sua casa, e comer à mesa com você, é a empregada que limpa a sua casa, lava os seus lençóis, faz a sua comida e cuida do seu filho.

No momento em que Lula aborda o assunto dando ênfase ao preconceito, como se esta profissão perpetuasse a escravatura no Brasil, alimenta ainda mais o ressentimento na cabeça das classes mais pobres. Sim, todo mundo deve ter direito ao estudo... quantos médicos, advogados, engenheiros e jornalistas há por aí, trabalhando como motoristas de táxi e fazendo concursos públicos para cargos de nível médio? Será que eles se sentem "menores" por isso? Se o país inteiro fizer prova para o Itamaraty, em busca de um bom salário e boas condições de trabalho, quem é que vai tirar o lixo da rua? Quem vai pilotar os ônibus? Quem vai ser professor? Antes de acabar com as domésticas, deveríamos garantir dignidade a todo e qualquer trabalhador brasileiro: isso sim é entrar para o Primeiro Mundo.

Antes que alguém interprete mal minhas palavras, digo o óbvio: basta imaginar o mundo sem os lixeiros para vermos o quanto esta profissão, tão desprezada socialmente, é importante. O que falta ao Brasil é justamente a consciência de que todas as profissões são importantes e merecedoras de salários dignos e garantia de direitos... o mal não está em ser varredor de rua, mas em ser mal-remunerado e não contar com boas condições de trabalho.

Lula deveria olhar a questão por outro lado e lembrar-se que ele mesmo é o maior exemplo de que os mais humildes podem chegar longe... ou simplesmente serem felizes com sua condição. É difícil, eu sei, mas temos que ter em mente que ser empregada doméstica não é vergonha, assim como ser metalúrgico. Hoje em dia, no Brasil, vergonha é ser político.


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12 comentários:

  1. Fernanda,

    Entrei outra vez no Google, para saber mais sobre a escritora Paulistana Ruth Rocha, e ja vou comecar a ler livros dela, que embora sejam para criancas, acho que vou gostar muito de le-los ..... mais uma vez, efeito .... Fernanda.

    Na primeira vez, quando voce escreveu: "Shopping center para as brancas, violencia para as negras" me foquei mais no caso do banco, da dificuldade que pessoas humildes tem de abrir uma conta.....
    Dona Ruth Rocha, nos lembra, que deixamos entrar pela porta da frente, inimigos, e a empregada domestica, fazemos ela entrar pela porta do fundo....... quanta verdade ......

    Concordo com voce, que nao ha vergonha nenhuma em ser empregada domestica, nem motorista de onibus, nem lixeiro, nem ascensorista (eta profissao chata), etc ..... ja pensou, o mundo como seria..... toda a profissao por mais simples que seja e digna pois contribui para um bem geral de todos.

    Parabens pela materia.

    Bjs

    Gilda Bose

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  2. Gilda, você vai adorar os livros da dona Ruth. São ótimos! Eu adoro literatura infantil e até hoje não encontrei ninguém melhor do que ela. Entre numa livraria para passar a tarde e divirta-se. Depois me conta como foi. Beijos

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  3. Aqui em casa estamos afinados com a dona Ruth. Já quanto ao Lula, creio que com seus meios, afastou-se distância estelar de sua origem... humilde?

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  4. "Hoje em dia,no Brasil,vergonha é ser político."
    Pôxa Fernanda,esta frase valeu pelo post inteiro!
    Bjs.

    Monica.

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  5. A PESSOA que faz a faxina de meu apartamento, entra pela porta social, sebdo tratada com respeito e consideração, por ajudar-me, á mantê-lo limpo, convidativo às poucas pessoas que recebo. Muitos, principalmente, mulheres, ficam surpresos, como , vivendo só, mantenho minha casa organizada, sem sinais de TOC, fique claro.
    Outa coisa, sem querer posar de justiceiro social, papel desempenhdo com a devida canastrice, pelo molusco, cumprimento todos os garis que encontro, quando saio, por volta das seis da matina para minha caminhada diária, o qe, nos primeiros momentos , gerava-lhes desconfiança e silêncio como resposta. Afinal, são invisíveis, certo? Há algum tempo, respondem naturalmente, alguns brincam comigo, percebendo-me como iguais, o que, de fato, são.

    ANTONIO CARLOS

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  6. É isso aí, grande Fernanda.Você tem toda razão.
    Na verdade, o que existe muito é preconceito contra a
    coitada da empregada doméstica. Algumas pessoas arrogantes dão tratammento chocantemente revoltante às
    suas funcionárias, não permitindo que elas façam refeição juntamente com a família,que participem de cerimônias com os de casa e convivam com todos de forma civilizada.O que acontece é uma barbaridade.
    Agora,quanto ao Lula, o problema não é só dele,é uma necessidade imediata que se tem de modificar essa
    questão trabalhista no Brasil.É questão de educação.
    Nada mais. Um abraaço.
    João Rocha

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  7. Somos a consequencia de uma formacao errada e seguimos a cultura que nos foi passada. Mudamos, com o tempo, muitas vezes quase que sem perceber, parte do que nos foi empurrado pelos nossos pais, avos, parentes mais velhos.
    Seria comico se nao fosse serio: houve a necessidade de um governador apresentar uma lei liberando elevador social para empregados que, como tais, somente podiam usar elevador de servico e, claro, entrar pelos fundos. Era tao ridicula a situacao onde constatavamos que muitos eram obrigados a subir pelo elevador de servico e entrar pela porta social pois a unidade tinha somente uma entrada mas, status, discriminacao, formacao cultural e outras idiotices assim operavam.
    Veja, nao acabou a diferenca social, a formacao cultural e muito menos a discriminacao. O que ocorreu foram formas punitivas encontradas e aplicadas: ficou um pouco mais dificil ser "besta" com os demais.
    O que aprendemos, se nos dignarmos a prestar atencao, eh que uma boa parte de pessoas que estao ai a nossa volta, muda de acordo com as suas necessidades sem que isso - realmente - mude o seu conteudo. Elas apenas se moldam a algo novo por conveniencia ou medo mas, la dentro, bem no fundo, seguem agindo como o argoz de outros.
    E, pior, eh constatar que esse sentimento espurio esta presente em muitos, nao importando a sua classe social. Parece um prazer sadico, uma tara que se sobrepoe a razao, a civilidade. A lamentavel frase do Lula eh um exemplo do que tento explicar. Lamentavel que essas coisas sigam existindo (refiro-me ao fato e a pessoas que usam o dom da inteligencia(?) para expelir frases idiotas).

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  8. Por muitos anos as mulheres pobres tinham limitadas opções profissionais: costureiras, empregadas domésticas (ou faxineiras) ou prostitutas. As duas últimas sempre foram meios de sobrevivência mais comuns nos centros urbanos, logo, empregada doméstica sempre foi sinônimo de trabalho para mulher pobre. Acabar com a empregada doméstica significa acabar com a velha história de mulher pobre trabalhar na casa dos mais ricos como oportunidade de ter rendimentos. Isto significa que qualquer mulher pobre ter direito de escolher uma profissão para a qual tenha vocação e isto leva à redução do número de empregadas domésticas no mercado de trabalho.
    Então acabar com as empregadas domésticas é tão "preconceituoso" quanto acabar com a miséria.
    Dar dignidade aos nossos trabalhadores é saber respeitá-los por seu ofício, qualquer que seja. Isto depende mais da cultura e educação das pessoas do que do Estado que, por sua vez, garante os direitos dos trabalhadores com a C.L.T.. Será mais digno quando os professores não forem colocados no mesmo nível dos lixeiros e estes não serem tratados como sub-empregados.

    Só para lembrar Boris Casoy: "Dois lixeiros! Que m...! Dois lixeiros desejando feliz Natal!

    Rolivers

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  9. "O mal não está em ser varredor de rua, mas em ser mal-remunerado e não contar com boas condições de trabalho", é argumento lúcido e honesto e dá uma panorâmica essencial para a questão, queriDannemann.

    Assim como qualquer maneira de amor vale a pena e merece respeito, qualquer tipo de trabalho _,e todos são fundamentais e devem ser valorizados e respeitados_, incluída a mais antiga das profissões, que respeito muito mais do que muitos políticos corruptos e safados, desrespeitáveis e que muito envergonham-me.

    Quanto às empregadas domésticas _que prefiro ajudantes, colaboradoas, socorristas rsrs_ , sempre entraram pela porta da frente, comem comigo ou do que como, sem restrições. Na verdade só utlizo faxineiras ou diaristas, por razões óbvias.Trato-as, empaticamente, como gostaria se no lugar delas estivesse. E mais: faço questão de valorizar o trabalho pagando sempre mais (enquanto Deus permitir) que a média.

    Uma pessoa que pode pagar um empregado, se fizer um agrado financeiro, além do acordado, não ficará mais pobre e criará um vínculo muito mais honesto, cordial, generoso e positivo energeticamente.

    Busco também ouvir, peço opinião, valorizo, presto atenção, enfim, comigo não se sentem bens móveis ou de minha propriedade. Nem horário de chegar e sair estabeleço: serviço feito, tchau!

    Sempre pensei que trabalho não é vergonha e cansei de dizer e reafirmo: se varrer rua pagasse mais ou melhor que trabalhar em diversas outras áreas, não pensaria duas vezes, até porque, nunca tive, claramente, uma paixão por quaisquer das profissões que conheço. Algumas não exerceria nem por todo o dinheiro do mundo.

    Certamente, se as condições de moradia, escolaridade, controle de natalidade e outras... fossem mais justas e, principalmente, na base da educação, a escola fosse de alto nível para todos, sem exceções, aí, sim, a situação de quase escravos que vive a maioria dos explorados trabalhadores brasileiros, tomaria rumo mais humano e civilizado.

    O caso do êxito da árvore Lula, com as raízes quase podres na pobre origem, mais do que exceção, é milagre ou predestinação. Assim como, também, o milagre Machado de Assis, fiquem certos: jamais se repetirá algo do gênero, neste Patropi, onde as regras ainda são muito cruéis ou injustas.

    A única saída para nossas queridas colaboradoras seria que ajudássemos_ pagando melhor e diminuindo consideravelmente sua carga de trabalho_ para que onseguissem diploma que faciliitasse abraçar carreira mais bem remunerada e satisfatória. Não vejo outra forma de sermos primeiromundistas, onde só pode ter "empregada" os (muito) ricos.

    Os egoístas e quase "escravocratas" brasileiros farão de tudo para impedir _ cínica e mesquinhamente_ esta saudável ascenção.´

    Beijão "procê"
    Marcos Lúcio

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