Há alguns anos escrevi para o jornal O Estado de S. Paulo uma matéria sobre o trabalho invisível dos tradutores. Entitulado "Traduzir, caminho árduo de quem ama a palavra", contava com entrevistas de renomados profissionais da tradução: Carlos Nougué, que trabalha com espanhol e francês, Nancy Rozenchan, com o hebraico, Boris Schnaiderman, especialista em russo, Lia Wyler, tradutora oficial de Harry Potter, e Rita Desti, tradutora de Paulo Coelho na Itália.
Conversando com eles, mestres da palavra, aprendi a respeitar ainda mais o ofício da escrita. O trabalho do tradutor exige muito além da humildade e do conhecimento técnico: exige que ele seja escritor, tanto quanto o autor que ele traduz, e que o empenho seja total e absoluto, verdadeira entrega, doação no melhor sentido do termo. Porque o tradutor é aquele que empresta o seu talento para valorizar o talento do outro.
Invisíveis, eles não costumam colher os louros pela beleza de um livro ou pelo sucesso de vendas... o que é lamentável, porque é deles o trabalho impresso em cada linha... o que para mim significa que também são autores. Não era à toa que o português José Saramago exigia que seus livros fossem publicados com a grafia original em todos os países de língua portuguesa: ao menos nestes lugares, tinha garantida a fidelidade e a beleza do que havia escrito.
Veja que coisa linda a tradução do poema "Invictus", que consolou Nelson Mandela em seus piores momentos, na prisão. Parabéns ao tradutor!
Do fundo desta noite que persiste
A me envolver em breu - eterno e espesso,
A qualquer deus - se algum acaso existe,
Por mi’alma insubjugável agradeço.
Nas garras do destino e seus estragos,
Sob os golpes que o acaso atira e acerta,
Nunca me lamentei - e ainda trago
Minha cabeça - embora em sangue - ereta.
Além deste oceano de lamúria,
Somente o Horror das trevas se divisa;
Porém o tempo, a consumir-se em fúria,
Não me amedronta, nem me martiriza.
Por ser estreita a senda - eu não declino,
Nem por pesada a mão que o mundo espalma;
Eu sou dono e senhor de meu destino;
Eu sou o comandante de minha alma.
Autor: William E. Henley
Tradutor: André C.S. Masini
Durante muitos anos, quando ainda vivia ai, fui tripulante da Varig e, por obvia consequencia, voava mundo afora.
ResponderExcluirFui algumas vezes a Africa do Sul. Numa dessas viagens, quando retornava, logo apos decolarmos de Capetown um passageiro apontou para um ponto de terra distante algumas milhas do continente e disse que naquela pequena ilha Nelson Mandela esteva preso.
Senti uma mistura de raiva e indignacao ao imaginar que naquele "nada" estava presa uma pessoa pelo fato de contestar um regime que separava pessoas pelas racas e tons de pele.
Quem sabe, naquele momento, Mandela nao estivesse lendo - mais uma vez - esse poema...
O tradudor eh o heroi anonimo: gracas a ele/ela entramos no fantastico mundo da leitura, passeando por tramas, aventuras, contos, poemas. Gracas a um tradutor podemos conhecer um pouco sobre culturas tao distantes e tao diferentes que nesse mundao existe, sem quase nunca prestar atencao no nome do heroi.
Todas as vezes em que penso nos fundamentais tradutores, é recorrente a idéia sobre o trabalho hercúleo que eles têm, para contornar situações mais complexas ou intraduzíveis, digamos assim. E mais:o que se perde_ saramagamente_ ou o que se pode ganhar com estas traduções? Há quem jure ser algumas traduções superiores, em alguns aspectos, a certos originais.
ResponderExcluirComo o Pedro Bondaczuk refletiu muito bem sobre a questão, farei minhas as palavras dele:
"Os povos têm maneiras peculiares de descrever sentimentos, de acordo com seus costumes e tradições. Há palavras, em determinados idiomas, que caracterizam certas emoções que, embora todo o ser humano sinta, não têm termos correspondentes em outras línguas. Até mesmo na própria, diga-se de passagem, algumas dessas definições soam ambíguas e capengas. Querem um exemplo característico disso? Tome-se a expressão “saudade”. Não tem correspondente exato em nenhuma das línguas faladas no mundo, embora não haja ser humano algum que não a sinta. O próprio sentido que os dicionaristas de língua portuguesa lhe dão deixa-nos a sensação de que “é aquilo”, mas não é bem aquilo. Falta alguma coisa, que não sabemos o que é, mas temos certeza de faltar".
Quanto ao belíssimo e contundente poema, destaco
a veemência destes enxutos e poderosos versos;
"Porém o tempo, a consumir-se em fúria,
Não me amedronta, nem me martiriza.
Por ser estreita a senda - eu não declino,
Nem por pesada a mão que o mundo espalma;
Eu sou dono e senhor de meu destino;
Eu sou o comandante de minha alma".
Obrigado, queriDannemann, por esta pérola desconhecida (ignoro muiiiiiiiiiitas coisas) e rara.
Forte abraço
Marcos Lúcio´
Juro que foi descuido, portanto: : Há quem jure serem algumas traduções superiores, em alguns aspectos...
ResponderExcluirAbraços
Marcos Lúcio
Fernanda,
ResponderExcluirEste texto me fez refletir, de quantas vezes eu li um livro, prestando atencao somente ao nome do escritor, sem nem me interessar por quem o traduziu...... Realmente uma arte invisivel, como voce tao bem o descreveu.
Interessante que isso tambem me fez lembrar de uma entrevista que o Ravi Shankar deu, quando perguntaram a ele sobre a musica, ele responde que nenhuma literatura por mais bem escrita nao tinha o poder da comunicacao que ela tem, que faz transportar voce,
transcender ......
Por isso a importancia de um bom tradutor.
Beijos
Gilda Bose
Conheci anos atrás, um professor de VERSÃO. Ele falava, segundo a minha mãe, +/_ umas vinte línguas. Vou dizer uma coisa: Pelo jeito muito excêntrico, cabelos em desalinho e roupas por ajeitar. Professor Daniel era o seu nome para mim. Seu sobre nome não me recordo, mas sua atuação era qualquer coisa de muito intuitivo,... Quando dava forma as frases. Algumas vezes pude vê-lo em ação. Lindíssimo.
ResponderExcluirFernanda,
ResponderExcluirLembrei de um comentario feito por Harvey Wienstein
(produtor de cinema)sobre Nelson Mandela:
Ele conta que estava assistindo uma palestra, em que Nelson Mandela conta dos longos anos na prisao, e derrepente relata, que ele so tinha permissao para sair da sela, uma vez por semana, para ver filme e que esses filmes o ajudaram a nunca perder as esperancas............
Bacana, nao?
Beijos
Gilda Bose