-- Mas por que é que você saiu do seu último
emprego?
-- A "mulé" era muito chata.
Quase ri diante de tanta honestidade... bem que o porteiro, que foi quem me trouxe a candidata à (quase já eterna) vaga de diarista, me afiançou:
-- Pode contratar, dona Fernanda, a Sirlene é minha
amiga há muitos anos, gente finíssima: honesta e limpinha.
O "limpinha" entrou arranhando meu ouvido, e vi que realmente meu nível de exigência já correu léguas neste condomínio. Parei de pensar e voltei à entrevista.
-- E então, Sirlene, a “mulé” era chata por quê?
-- Tinha que fazer a comida com água “filtada”! Onde
já se viu isso, fazer comida com água “filtada”?!
-- Mas você é boa de faxina? Aqui em
casa não precisa lavar o banheiro com água “filtada” não, mas eu sou exigente
com a limpeza...
Vi que ela ensaiou direitinho com o porteiro:
-- Sou ótima! Também sou exigente com limpeza,
adooooooro limpar a casa! Sou limpinha, a senhora não tá vendo?
-- Tôôô... mas então a gente fica assim: você vem
amanhã pra fazer uma experiência e ver se a gente dá certo. Se você gosta de
mim, se eu gosto do seu trabalho... ok?
No dia seguinte ela chegou cedo e cheia de energia pra faxinar, mas foi logo cedo mesmo
que o nosso bolo desandou. Foi só ela lavar a louça do café e separar, no cantinho da pia, a mantegueira vazia.
-- Sirlene, por favor, lava aí a mantegueira...
-- A mantegueira?! Mas não vai botar manteiga de
novo? Então lavar pra quê?
Acho que foi culpa da TPM, ou então é porque eu ando
meio cansada desse negócio de diarista... e respondi de um jeito meio
atravessado, ainda que calmíssima:
-- Pelo mesmo motivo que a gente lava a privada. A
gente lava não é pra usar de novo? Ou não precisa lavar?
Taí: Sirlene mostrou sutileza... nunca fui chamada de
chata com tanta educação:
Muito pragmática sua quase faxineira rsrsrs.
ResponderExcluirHora dessas esse vazio em sua vida será preenchido rsrsrs. Já pensou que , essa experiência é um resgate kármico?
ANTONIO CARLOS
Seráááááá?????
ExcluirGostaria de saber o que a Sirlene vai responder pra proxima patroa quando esta perguntar: "mas por que voce saiu do ultimo emprego?"?
ResponderExcluirVai dizer que a "mulé" mandou ela lavar a mantegueira! Onde já se viu, lavar mantegueira?!
ExcluirSei que a saga da faxineira pode ser cármica ou falta de sorte ou pela questão evidente de que os pobres e analfabetos ou semi alfabetizados que dizem mulé rs...estão diminuindo(ainda é este tipo de gente que se submete à faxina, vamos combinar...). Enfim, só sei que cada vez mais está mais difícil conseguir faxineira, saiu até uma reportagem no Jornal Hoje, dizem, pois não vejo tv. Então, cuide bem da sua (se você tiver), preserve bem viu?, porque é realmente uma espécie em extinção.
ResponderExcluirLi no blogue Escreva Lola Escreva e achei interessante esta abordagem, sobre empregadas (nada a ver com a blogueira que procura faxineira, as trata e as paga bem, não tenho dúvida, que fique claro!).
DESCENDENTES DE DONOS DE ESCRAVOS(...)“Esse Bolsa-Família é uma vergonha, devia ser proibido. Como que pode? Ficam dando dinheiro pra pobre, e aí o pobre não quer mais trabalhar. Hoje em dia está muito difícil arranjar empregada! Ninguém quer, e olha que eu pago bem, salário mínimo!”.
Esse tipo de lamento da classe média (já que ninguém no Brasil se considera rico) é comum e não está restrito a uma só região. É geral. A classe média de qualquer lugar do mundo, e a nossa em particular, adora reclamar de barriga cheia, e nisso é idêntica à classe média de outros países pobres ou em desenvolvimento, como a da Argentina, da Venezuela, Guatemala, ... Igualzinha, só muda a língua. Eu poderia argumentar que é um bom sinal que menos gente queira fazer trabalho escravo de empregada doméstica (salário mínimo, se tanto, pra dormir no emprego e servir a sinhazinha a qualquer hora do dia e da noite?!). Poderia argumentar que gente que lava cueca de marmanjo que não é seu fiho ou marido teria muito mais motivo pra se revoltar que a pessoa que diz que empregadas não são de confiança. Poderia argumentar que o Bolsa-Família é um dos programas de distribuição de renda mais bem-sucedidos do mundo, hoje copiado em várias cidades, como Nova York, por exemplo.
Outra coisinha que eu sei é que nos países ricos é raríssimo ter empregada. A classe média limpa sua própria casa. Isso porque é caro ter uma empregada, já que a diferença entre o salário de um engenheiro ou de um médico, nesses países, não é abismal em comparação ao da empregada. E é por isso, inclusive, que esses países são desenvolvidos ― porque a distribuição de renda é justa. O quê, tem gente que pensa que é por eles serem loiros de olhos azuis?! Tolinhos! Não se pára pra pensar por que tantas mulheres negras são domésticas, ou por que o salário de uma doméstica tenha de ser tão mais baixo que o de outras profissões.
Li Eu, Rigoberta Menchú, testemunho da ativista indígena da Guatemala e Prêmio Nobel da Paz em 1992. A parte do livro que mais me chocou foi aquela em que ela, depois de ter sua lavoura destruída, precisa ir pra cidade grande ganhar dinheiro para sustentar sua família. E qual a única ocupação para uma mulher de outra cor que não branca e sem educação formal? Empregada doméstica, por supuesto.
A vida de Rigoberta no curto espaço de tempo em que ela é servente de uma família de classe média é um pesadelo. A patroa é uma megera que faz questão de lembrá-la diariamente como ela, Rigoberta, é imprestável. E eu lia e pensava na minha mãe.
Nunca entendi o prazer que mulheres da elite têm em humilhar as subalternas. Será que elas se sentem ameaçadas, por terem outra mulher em casa? Ou, humilhando as inferiores, elas sentem-se superiores, e apagam memórias de um passado nem tão diferente ou distante? Confrontei minha mãe depois de ler Rigoberta. Perguntei por que ela tinha sido cruel com as empregadas, na época em que podia se dar ao luxo de tê-las. Ela melhorou muito. Em outros tempos, teria simplesmente negado sua crueldade, ou culpado as empregadas de merecer aquilo. Desta vez ela admitiu que as maltratava, mas não pôde explicar os motivos. Continuo sem entendê-los.
Santé e axé
Marcos Lúcio
Minha mãe nunca foi cruel com as empregadas, e talvez por isso é que tenhamos tido poucas, e que ficaram por anos no emprego, e tornaram-se amigas da família. Eu sonho encontrar alguém assim pra trabalhar na minha casa, mas realmente esta é uma profissão que está acabando. Ninguém mais quer ser empregada doméstica no Rio, e acho que o fato de as patroas serem cruéis deve ser mesmo uma das razões. Eu, que gosto de conversar, e que sempre converso com as empregadas, já ouvi histórias inacreditáveis. Acho que esta postura de tratar mal é mesmo uma herança do tempo da escravatura, mas vai além: é atitude de gente complexada e sem educação, que precisa diminuir os outros para sentir-se alguma coisa. Tristeza, hein?
ExcluirMais um ponto comum entre você e mim, queriDannemann: minha mãe sempre tratou tão bem as empregadas ou ajudantes,(as vivas toodas são "amigas" dela, "té" hoje, dá pra acreditar?!) que meu pai tinha "té" ciúme rs.É madrinha de filhos de algumas ex mucamas rs. Como você, trato muito bem minhas socorristass rs, como gostaria de ser tratado, simplesmente.Aliás, aprendi com a mama, pelos seus exemplos, que gente desfavorecida já que não tem quase nada, que tenha pelo menos nosso respeito e consideração ou compaixão, como queira. Tenho muiiito mais cuidado com os ditos "inferiores" na escala social, do que com aqueles supostamente mais civilizados, de melhor capital cultural e dignas _ ou até mais que isto_ condições financeiras.Claro que Freud explica os maus tratos das madames rs.
ExcluirSanté e axé!
Marcos Lúcio
Manda essa passear que é porca
ResponderExcluirSERGIO NATUREZA - BA