sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Rio: por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento

Esta cidade insegura nunca foi tão insegura quanto hoje; além da violência à qual já nos acostumamos, dos bueiros que explodem e da epidemia de dengue, que já começou, a cidade agora convive com o fantasma do desabamento, que desceu a serra para, quem sabe, chamar atenção ao desespero dos que foram esquecidos em Friburgo.

Fri-bur-go. Será que alguma autoridade se lembra?

Minha amiga, enfermeira de um grande hospital público carioca, conta que sua equipe compra remédios e seringas com dinheiro do próprio bolso, porque tem pena dos pacientes, desesperados de dor. Na hora do banho, dado em uma bacia, é preciso esquentar água na cafeteira elétrica, já que não há água quente no chuveiro dos doentes.

Isso também é cenário de guerra, tanto quanto a montanha de 15 metros de escombros na Cinelândia. E de uma guerra sem fim, com gente morrendo diariamente enquanto o descaso continua.

A cidade de cartão postal é, como diz o velho ditado, “por fora, bela viola, por dentro, pão bolorento”: linda nas novelas de exportação, linda no filme de desenho animado e nos pontos turísticos explorados pelos estrangeiros, para quem até as favelas parecem aprazíveis e românticas, com suas ruelas cheias de sangue e sofrimento invisíveis. Por dentro, o Rio de Janeiro está num estado de carência, desamparo e irregularidades que os países pobres da Europa, desprovidos do imenso potencial econômico que temos, jamais seriam capazes de sonhar.

Sabe a família infeliz e miserável, que vive na violência e padece todas as faltas possíveis... mas que, diante das visitas, veste sua roupa de domingo, serve uma feijoada completa e faz o teatrinho da harmonia? É o Rio de Janeiro... que está ganhando traje de festa para os eventos esportivos internacionais. Um traje tão caro e luxuoso, que me lembra aquela historinha da infância, "A roupa nova do rei", na qual um monarca vaidoso se deixa enganar por costureiros larápios e desfila pelado diante de todo mundo.

Em breve, os mortos da Avenida Treze de Maio se juntarão a todos os outros, vítimas de violência, deslizamentos, explosões e o que quer que seja, e que foram esquecidos pelas autoridades e pela própria cidade, prestes a tornar-se um imenso salão de Carnaval, com bagunça, sujeira e muito álcool na veia. 

No fim das contas, quem, além dos enfermeiros, se importa com o banho quente dos doentes pobres no hospital?


A "bela viola", sob a lente encantada de Marcelo Migliaccio


E o "pão bolorento", que ele também fotografou 

9 comentários:

  1. Duilio

    Cada vez mais me convenço que nosso prefeito se diverte sacaneando o carioca. A última foi as medidas de tráfico de veículos que ele adotou no Galeão. Enquanto o "choque de ordem" virou uma máquina de arrecadação através de multas, os camelos bolivianos estão tomando conta do centro da cidade.

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  2. Minha cara Fernanda
    Oportuno e valioso o seu post. É preciso que as pessoas saibam que, numa tragédia em que morreram mais de 400 pessoas ( nesse número não estão computadas as pessoas até hoje sepultadas nas encostas desabadas),poucas providências foram tomadas para reparar os danos à cidade, realojar famílias desabrigadas,fazer com que a cidade retome sua anterior vocação turística e o que é pior, pouco foi feito para prevenir ou minimizar ocorrência semelhante.
    Promessas não faltaram naquela ocasião mas, como vc bem sabe, passada a urgência, tudo é esquecido. O mesmo vai acontecer com esse desabamento horrível no Rio . Fica aquela expectativa sombria como a que Friburgo enfrenta: será que vai acontecer de novo?
    Um abraço do amigo certo
    Paulo

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  3. Ao terminar de ler seu irrepreensível ou cirúrgico texto, pensei no evidente PURGATÓRIO DA BELEZA E DO CAOS, que é esta cidade. Ato contínuo, queriDannemann, lembrei-me, imediatamente, desta letra da Fernanda Abreu (?!) para cotejar com as verdades indiscutíveis tão bem elencadas por você, como sempre e com muiiiiito talento.

    Rio 40 Graus
    Cidade maravilha


    Purgatório da beleza
    E do caos...

    Capital do sangue quente
    Do Brasil
    Capital do sangue quente

    Do melhor e do pior
    Do Brasil...

    Cidade sangue quente
    Maravilha mutante...

    O Rio é uma cidade
    De cidades misturadas
    O Rio é uma cidade
    De cidades camufladas
    Com governos misturados
    Camuflados, paralelos
    Sorrateiros
    Ocultando comandos...

    Comando de comando
    Submundo oficial
    Comando de comando
    Submundo bandidaço
    Comando de comando
    Submundo classe média
    Comando de comando
    Submundo camelô
    Comando de comando
    Submáfia manicure
    Comando de comando
    Submáfia de boate
    Comando de comando
    Submundo de madame
    Comando de comando
    Submundo da TV
    Submundo deputado
    Submáfia aposentado
    Submundo de papai
    Submáfia da mamãe
    Submundo da vovó
    Submáfia criancinha
    Submundo dos filhinhos...
    (...)

    Quem é dono desse beco?
    Quem é dono dessa rua?
    De quem é esse edifício?
    De quem é esse lugar?...(2x)

    É meu esse lugar
    Sou carioca
    Pô!
    Eu quero meu crachá
    "Canil veterinário
    É assaltado liberando
    Cachorrada doentia
    Atropelando!
    Na xuxa das esquinas
    De macumba violenta
    Escopeta de sainha plissada
    Na xuxa das esquinas
    De macumba gigantescas
    Escopêta de shortinho algodão"...

    Cachorrada doentia do Joá, eh!
    Cachorrada doentia São Cristóvão
    É Cachorrada doentia Bonsucesso
    Cachorrada doentia Madureira
    É Cachorrada doentia da Rocinha
    É Cachorrada doentia do Estácio...
    (...)

    Purgatório da beleza
    E do caos...

    A novidade cultural
    Da garotada
    Favelada, suburbana
    Classe média marginal
    É informática metralha
    Sub-uzi equipadinha
    Com cartucho musical
    De batucada digital...

    Gatinho de disket
    Marcação pagode, funk
    De gatinho marcação
    Do samba-lance
    Com batuque digital
    Na sub-uzi musical
    De batucada digital
    Eh!...

    Meio batuque inovação
    De marcação prá pagodeira
    Curtição de falação
    De batucada
    Com cartucho sub-uzi
    De batuque digital
    Metralhadora musical...

    De marcação invocação
    Prá gritaria
    De torcida da galera
    Funk!
    De marcação invocação
    Prá gritaria
    De torcida da galera
    Samba!
    De marcação invocação
    Prá gritaria
    De torcida da galera
    Tiroteio!
    De gatilho digital
    De sub-uzi equipadinha
    Com cartucho musical
    De contrabando militar
    Da novidade cultural
    Da garotada
    Favelada suburbana
    De shortinho, de chinelo
    Sem camisa, carregando
    Sub-uzi equipadinha
    Com cartucho musical
    De batucada digital
    Ulalá!...
    Capital do sangue quente

    Do melhor e do pior
    Do Brasil...

    Boas vibrações e abração
    Marcos Lúcio

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  4. Paulo, por favor, me passa de novo o seu e-mail, gostaria de falar com vcoê. Abraços!

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  5. Há um ano cerca de 1.500 pessoas morreram na região serrana e nada foi feito de lá para cá. Aliás, fizeram uma coisa: roubaram a verba que o governo federal liberou.

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  6. Fernanda,essa tragédia tambem será esquecida pelas autoridades em poucos dias,assim como foi a Região Serrana,o Morro do Bumba,e etc. E a nós só resta continuar reclamando,reclamando e reclamando,quem sabe um dia,alguem possa nos ouvir... bjs.

    Monica.

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  7. Mauro Pires de Amorim.
    O Brasil é o país das tragédias humanas, principalmente em função da falta de estrutura administrativa estatal para planejar e fiscalizar.
    Os municípios crecem desbragadamente, sem controle e planejamento. Com isso ocorrem esgotamentos e permissividades imprudentes, evidenciadas, por parte de quem tem a obrigação legal de evitar tais feitos.
    A instituição da República Moderna, deu-se com as Revoluções Liberais e Iluministas, no final do século XVIII, respectivamente, a Guerra de Independência e Revolução dos EUA e a Revolução Francêsa, uma vez que ambos os movimentos ocorreram simultaneamente no mesmo tempo histórico, marcando a passagem da Era dos Antigos Regimes.
    No Brasil, nossa república veio somente em 1889, portanto, um século após tais movimentos iluministas. Durante o século XX, tivemos dois períodos de ditaduras, O Estado Novo e o Regime Militar de 1964. Monarquias absolutistas e ditaduras, possuem algo em comum. A mentalidade do exercício do poder e administração estatal de características autocratas, sendo portanto, auto-referenciais e voltadas aos interesses dos detentores do poder. Portanto, ainda que nossa república tenha sido proclamada em 1889, os conceitos iluministas, de bases racionais, lógicas, de bom-senso e democráticos, ficaram comprometidos, em razão dos interesses particularistas dos detentores do poder autocrata, havendo portanto um retrocesso. Ainda que formalmente, se mantivesse a denominação do país como república ou republicano.
    Com isso, nossa mentalidade estatal de gestão e administração pública é culturalmente fortalecida pela mentalidade autocrata.
    No Brasil, pensa-se primeiramente em se criarem leis, havendo uma verdadeira legislorréia. Como se, pelo simples fato de haver a lei escrita no papel, bastasse para realiza-la no mundo real. Nascendo com isso o fenômeno da "letra morta da lei" ou mais popularmente conhecida, como "lei para inglês ver". Para que a lei se realize no mundo real e saia do mundo ficcional do papel, é necessário toda a estrutura funcional e administrativa realizadora. E isso, tem que ser previsto, no estudo do projeto legislativo.
    Paralelamente, a única estrutura legal que é plenamente realizada em nosso país, diz respeito aos direitos protetivos e privilégios dos detentores do poder ou dos 3 Poderes. Havendo portanto a característica corporativista que marca as autocracias. Não é à toa que no Brasil, costuma-se separar Estado e sociedade, como se o Estado fosse um ente especial e não fizesse parte da sociedade, contrariando o que preconiza o verdadeiro caráter iluminista, republicano e democrático.
    Felicidades e boas energias.

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  8. Fernanda,

    O carioca nao merece, o Brasil nao merece ......
    e isso tem uma repercussao mundial, triste nao .....

    Quanto as pessoas nao lembrarem de fatos como as calamidades das chuvas em todo Brasil, e por que a maioria nao tem alimentacao adequada, o que o povo ganha nao da para despesas de aluguel, comida, educacao, saude,transporte, etc ..... nao da......

    Gilda Bose

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  9. Há anos - ou melhor, décadas - o Rio sofre de várias mazelas, mas nenhuma é pior que o achaque de políticos corruptos e sem moral e a decadência da sociedade carioca. O último homem público que me vem à cabeça e que queria de fato mudar o rumo era o Darcy Ribeiro, que, ironicamente, todo mundo chamava de doido...

    O povo perdeu seus valores à luz do sol que aquece as praias da Zona Sul; os ricos vangloriam-se de morar numa cidade que só eles veem (por total alienação ou plena indulgência diante do mundo real, muito feio) e ainda insistem em chamar de maravilhosa.

    Maravilhosa é a Vieira Souto, Ataulfo de Paiva... Desde que os pedintes e trombadinhas não estejam por perto. Nem sabem pra que lado fica a Zona Norte.

    Por outro lado, boa parte dos menos afortunados se acomodou e aceitou as péssimas condições em que vivem, com transporte (sic) ridículo, saúde em estado terminal, segurança pífia e infraestrutura de sub-mundo. E não me venham com UPP, obras de Copa ou Olimpíadas porque cansei de ser enganado... O tráfico tá aí, em todas as favelas - pacificadas ou não - alienando crianças pro exército da bandidagem e viciando um bando de gente.

    E ninguém quer fazer nada. Bom, também não é assim... Se for protesto pra ter jogo da seleção no Maracanã durante a Copa as ruas ficam cheias. Mas tudo bem, o carnaval já vem chegando pra aplicar a anestesia que dura o ano inteiro.

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