domingo, 20 de janeiro de 2013

"Django Livre", o Mutatis Mutandis que nós somos

"Django Livre" é um filme sobre a mutação, aquela pela qual todos nós passamos quando temos a oportunidade de transcender nossa condição atual e nos libertarmos do rótulo que nos foi posto em algum momento; ou da crença que nos limita a nosso próprio respeito, mas que alguém incutiu em nossa mente;  ou do lugar ao qual não pertencemos, e onde estamos, porque foi até ali que a vida nos conduziu... sim, é de transcendência que Tarantino está falando desta vez.

Gosto do jeito do Tarantino e não perco um filme dele por nada! O tragicômico, o brega, o ridículo, o acaso, os heróis humanos e a violência que não agride são os ingredientes que sua câmera captam com maestria e sem arrogância, e nos fazem rir, tomar um susto, lamentar a morte de algum personagem e, ao fim de tudo isso, sair do cinema com vontade de ver o próximo filme deste diretor tão singular, que escolhe a dedo seus atores e sabe tirar deles o que há de mais humano em seus papéis. A interpretação de Samuel L. Jackson está simplesmente magistral, e Christoph Waltz, o nazistão doido de "Bastardos Inglórios", reaparece completamente antônimo a tudo o que possa cheirar a dominação.
Django Livre é um filme que fala também da amizade que nasce repentina, inesperada e eterna entre indivíduos saídos de galáxias muito distantes. No fim do século 19, antes mesmo da Guerra Civil americana, um alemão de alma libertária identifica-se profundamente com Django, um escravo que revela-se a reencarnação negra do herói mítico Siegfried. A mitologia nórdica, quem diria, foi parar no Mississipi!  
No final, o escravo amedrontado e fragilizado do começo do filme se transforma em um negão valente, cheio de estilo e autoestima, exatamente como aconteceu na vida real com os negros dos Estados Unidos, no decorrer do tempo: o negro americano tem orgulho de ser quem é porque, mesmo pobre, explorado ou vítima de preconceito racial, deixou de SENTIR-SE escravo, conheceu sua própria força e soube dar valor à sua origem, exatamente como o Django de Tarantino...

Na vida real, como ninguém consegue regredir, rebobinar o tempo e voltar a ser aquela pessoa de antes de sua transformação pessoal e libertadora, o espectador, seja ele branco, amarelo, vermelho ou negro, e de qualquer época, ou de qualquer lugar do mundo, se identifica com o Siegfried do filme.
"Django Livre" fala de todos aqueles que, em algum momento da vida, quebram algemas, transcendem sua condição, libertam-se, renascem, mudam o curso de sua história e, finalmente, tornam-se incapazes de aceitar o cárcere, qualquer que seja.

Não há poder, nem grade, nem ferro, não há nada que nos possa reconduzir à pequenez de vida ou de espírito, depois que conhecemos nossa força e alegria, e nem à ignorância, depois que enxergamos a luz. E é por isso, só por isso, que evoluímos até aqui.

 

10 comentários:

  1. Oi Fernanda,

    Um 2013 super bárbaro e um feliz tudo prá voce. De volta ao "lar doce lar" (porque aqui me sinto em casa), vou colocar minhas leituras em dia.
    Um beijo,
    Mercedes

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  2. Salve, Mercedes! Feliz 2013 pra você também! Pensei que você tivesse nos abandonado... que bom que eu me enganei. Vejo que você foi passear... bem-vinda ao lar e ao Alma! Beijos!

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  3. Também assisto todos os filmes, com o selo de qualidade Tarantino. Á esse, ainda não assisti, o que farei em breve. Com a obra de Almodovar, nada me escapa.
    Curto muito rever filmes de Begman, Fellini. Godard e outros criadores da Novele Vague, também são revisitados por mim, frequentemente.

    ANTONIO CARLOS

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    1. Gosto do Fellini como pessoa, mas os filmes dele... acho chatérrimos!

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  4. Ainda não vi...mas principalmente pelos seus seus dois últimos parágrafos, se o filme estiver à altura destas sábias e grandiosas palavras, torna-se obrigatório, então. Jamais devemos aceitar cerceamentos.Como já disse em comentário anterior, muita gente pode saber o que é , mas não o que poderá ser, assim como a lagarta já traz na sua gênese, o voo da borboleta. Concordo com o Deepak Chopra:
    "'O que for a profundeza do teu ser, assim será teu desejo .
    O que for o teu desejo, assim será tua vontade .
    O que for a tua vontade, assim serão teus atos.
    O que forem os teus atos, assim será teu destino."
    P.S. O filme AMOR, ganhador do festival de Cannes é maravilhosamente avassalador, a quem (se) interessar possa.
    Santé e axé!!!
    Marcos Lúcio

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    1. Não sei se é o seu tipo de filme... acho que não é, mas depois você me conta. Bjão

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  5. Obrigadíssimo pela dica, acertou na mosca, queriDannemann, afinal, faroeste - conceitualmente- nunca, jamais foi a minha praia com "palmeiras onde canta o sabiá" rs. Vi o trailer e pesquisei sobre o filme, a seguir. Não irei comprovar se estão mentindo rs.

    Entre as participações especiais , aparece, com uma bandana no rosto, a dublê Zoë Bell. Ela olha por um daqueles binóculos de plástico com fotografias dentro, vê uma foto (bastante improvável...) do que parecem ser caubóis diante do Partenon. Quentin Tarantino sabe que o faroeste hollywoodiano é responsável por criar toda a mítica americana (nada a ver comigo), mas o diretor não se contenta: ele cita até a Grécia Antiga. É como se a formação de toda a nossa civilização passasse pelo cinema americano do século 20.A minha certamente não! Hum...

    Como sempre no cinema de Tarantino, o grande tema é a vingança.Contra todos que rejeitaram o "divertido espetáculo da violência", a história converge em direção ao horror, e deixa claro que seu sangue e suas mortes não são nada realistas, o retrato histórico é inexato, e o filme ressalta o tempo inteiro seu caráter fantástico e fictício.Nada a ver comigo.

    O cineasta Spike Lee também não viu graça nenhuma na escravidão se tornar um sangrento faroeste e criticou publicamente o filme. O diretor , em cujos filmes o tema do preconceito está sempre presente, chamou esta história de vingança durante a época da escravatura, de "desrespeitosa".
    Lee falou : "Tudo o que posso dizer é que ele é desrespeitoso aos meus ancestrais(...). A escravidão nos Estados Unidos não foi um western spaghetti de Sérgio Leone, mas um holocausto. Meus ancestrais foram escravos, roubados da África. Eu os honrarei".Mas é positivo um negro Cowboy em um filme mainstream , um fato a se admirar (claro que já fizeram isso em As Loucas Aventuras de James West, mas quem lembra desse filme?).

    Mas o que a Lola Aronovitch, super fã do diretor disse, tirou-me completamente a curiosidade:" estou acostumada a ver filmes em que um personagem branco (no caso, o Dr. King Schulz) serve como mentor do personagem negro e guia do público branco.Mas é triste ver o Taranta, que quase sempre apresenta mulheres fortes e marcantes, criar uma personagem tão zero à esquerda quanto a interpretada por Kerry Washington. Ela é inútil. Depois de anos sem ver o amado, a primeira coisa que ela faz é desmaiar, tal qual uma donzela. E ela só desmaia pra que os dois homens no recinto possam compartilhar uma piadinha entre eles .
    Aí a gente fica esperando que a única outra mulher do filme, a irmã do dono de escravos, se destaque de alguma forma. Não, nada. Não lhe é permitido nem ser má o suficiente. Ela talvez seja lembrada pela patética e cartunesca cena de sua morte, e mais nada.Os personagens são tão rasinhos que ainda bem que temos o dentista que virou caçador de recompensas . Pelo jeito ele fará sempre esse papel com o Taranta, e sempre ganhará o Oscar. Quem vai ao cinema é a classe média, majoritariamente branca. E é interessante observar como esse público se comporta diante de Django (ou de qualquer história de opressão).
    Toda pessoa branca tem certeza de que se rebelaria contra a escravidão e se negaria a ter escravos se vivesse 150 anos atrás. Se bobear, até as pessoas que chamam negro de macaco (brincando, claro!) e são contra as cotas raciais pensam que, no tempo da escravidão, lutariam pela abolição. Dr. King Schultz está lá pra que a gente se sinta bem, sem culpa, vingada"... somente na fantasia, né?"
    Santé e axé!
    Marcos Lúcio

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  6. Spike Lee é um chato que passará a vida inteira revoltado por causa da escravidão dos seus ancestrais. Não sei quem é Lola Aronovich, mas ela támbém é outra chata: eu ri quando a moça desmaiou, entendi que foi uma piada, e não achei machista ou sem propósito. Quer dizer que o Tarantino agora tem que manter a fama e mostrar só heroínas valentonas, tipo "Kill Bill", que é pra que as mulheres da plateia não se ofendam? E pra falar de escravidão tem que ser, obrigatoriamente, sob a lente da realidade cem por cento, por que se brincar com o assunto vira "desrespeito"? Mas isso é pior que censura oficial! A gente não pode levar tudo a ferro e fogo o tempo inteiro, senão a vida vira um terror. O filme fala de vingança? Para alguns pode ser. Para mim ele fala de superação, de mudança, de transcendência. É aí que está o barato do cinema: cada um lê, entende e enxerga o filme de acordo com o que tem dentro de si. O cinema é uma obra de arte como um quadro ou um poema. A gente precisa de um pouco de senso de humor pra viver, sabe? O humor salva!

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  7. Adoooorei seu comentário ...até porque mais bem humorado do que eu, desconheço, sabedor de que há similares... mais e melhor humorado, não!!! rs...sou rei nesta peculiaridade e em outras rs. Quem leva a vida a ferro e a fogo, merecidamente se ferra e se queima, sem excções. Nem levar as coisas (tão) a sério eu pratico...bastam-me disciplina, respeito e responsabilidade, até porque tudo é impermanência e levar a sério é demonstração de apego ou crença fundamentalista(tô fora, adoooro a dúvida, pois dela nasce o conhecimento). Amo a liberdade acima de tudo, menos da saúde, "marrelógico".E como acompanho seu blogue, por afinidade, prazer e gosto, entendo sua verdade e respeito-a, profundamente, além de reconhecer seu evidente talento. Eu ainda não tenho opinião sobre o filme. Por enquanto o que não aguçou a vontade de vê-lo, é a forma: faroeste , e o seu simbolismo...que nunca fez meu gênero (deficiência minha, certamente). Mas, como exercício de casa, e por não admitir qualquer tipo de preconceito, e pela sua réplica contundente e gostosa e inspirada,vou fazer a cabeça e, tentar na semana que vem.Depois eu conto como foi a experiência, com base em sua (talvez) arguta observação:"Não sei se é o seu tipo de filme... acho que não é, mas depois você me conta"
    Santé , axé e beijão procê!
    Marcos Lúcio

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    1. Você está longe de ser Spike Lee, mas acho que mesmo assim... não vai gostar! Faz o seguinte: veja o filme com olhos de comédia. Acho que Tarantino exige isso, porque ele brinca o tempo todo. Bjão!

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