sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Plágio: a ferida incurável da mediocridade

O leitor escreve indignado com o plágio do livro de Moacyr Scliar, "Max e os felinos", pelo canadense Yann Martel, que admite ter se inpirado na história do nosso escritor gaúcho sobre o menino que sofre naufráugio e vai parar em um bote com um jaguar: foi daí que nasceu "A vida de Pi", o garoto indiano que também sofre naufrágio e vai parar em um bote com um tigre, e que depois foi parar nas telas, no filme "As Aventuras de Pi", de Ang Lee.

Eu não sabia do lance, fiquei sabendo dias atrás, ao ler uma crônica do Artur Xexéo em "O Globo".

Já vi de perto algumas histórias de plágio, eu mesma já tive ideias roubadas: trabalhei anos como freelancer e cansei de ver as pautas que oferecia a jornais e revistas publicadas por outras pessoas... mundinho podre este da imprensa. E já tive o dissabor de ver ideias de filmes, livros  e programas de TV idealizados por amigos e roubados por gente sem criatividade ou escrúpulos.

Mas um assunto tão delicado como este pode render também injustiças. E por isso mesmo acho que foi uma sorte muito grande o Lauro César Muniz ter tido a ideia de escrever a novela "O Casarão" nove anos antes de Gabriel García Márquez lançar o belíssimo romance "O Amor nos Tempos do Cólera". Que eu saiba, ninguém jamais cogitou a possibilidade de o escritor colombiano ter plagiado o novelista brasileiro, inclusive eu também não acredito nisso, é bom deixar claro: García Márquez é um escritor genial e está entre os meus preferidos... mas realmente acredito que, se o livro tivesse saído antes, Lauro Cèsar Muniz carregaria para o resto da vida a pecha de plagiador. É que o brasileiro não tem autoestima, não dá valor a si mesmo e tende a bancar o inferior frente ao sucesso que vem de fora. "O Casarão" foi uma novela como já não se faz mais... foi um poema que até hoje comove as testemunhas... e olha que eu era criança, mas nunca me esqueci. E volto a dizer: se tivesse sido feita depois do livro, seria criticada e considerada menor... uma reles cópia mal-feita.

De qualquer forma, plágio é uma coisa tão baixa e nojenta que realmente creio que o próprio plagiador é quem mais sofre: a consciência de que o sucesso veio por conta de uma ideia roubada deve causar uma dor insuportável no orgulho e na vaidade! Enquanto isso, aquele que foi roubado, ainda que sofra por sentir-se vilipendiado, sabe-se capaz de repetir o feito; sabe que da nascente de onde veio aquilo que lhe foi tirado, outras criações já vieram antes e continuarão a vir, a menos que ele se feche em copas no ódio, no ressentimento, na indignação. Moacyr Scliar escolheu não levar o caso adiante: aceitou o pedido de desculpas de Martel e o agradecimento que o canadense lhe fez, no prefácio de seu livro premiado, pela "inspiração" que disse ter tido a partir do livro de "Max e os felinos". O plágio, quem diria... virou inspiração. Não sei o que foi que Martel pensou quando decidiu inspirar-se na história, mas considerando que muitos estrangeiros da América do Norte pensem que a capital do Brasil seja Buenos Aires, talvez o canadense tenha pensado que "inspirar-se" em um escritor brasileiro não fosse acabar em notícia de jornal.

O filme "As Palavras", com Bradley Cooper e Jeremy Irons, trata exatamente de tudo isso; do quanto a mediocridade fere a consciência de um ladrão de ideias. O plagiador pode ganhar dinheiro, fama, ter as portas abertas diante de si, a luz dos holofotes... e ainda que o mundo inteiro banque a mentira e lhe puxe o saco, ele sabe, ele não se esquece jamais, ele padece o resto da vida desta ferida que é a falta de talento... uma chaga incurável que, apesar de oculta pelo roubo, cheira mal e o delata a si mesmo, ininterruptamente, pelo resto da vida. É a dor da mediocridade.


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Náufrago no oceano de si mesmo

11 comentários:

  1. Puis é, minina, eu ia lançar um novo refrigerante inspirado na Coca Cola, mas o INPI não deixou...

    Sergio Natureza - BA

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  2. Fernanda,

    O seu post tao bem descrito sobre a mediocridade que e plagear e roubar ideias dos outros, me fez lembrar do Abelardo Barbosa "Chacrinha", quando ele dizia: "que nada se cria, tudo se copia", em tempos que nao existia toda essa tecnologia que temos hoje .....
    Agora, ca entre nos, quem faz isso nao tem consciencia nao, seus valores sao outros ......

    Felicidades,

    Gilda Bose

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  3. Não exatamente indignado, mais incrédulo, digamos assim, justamente por conhecer o complexo de vira-latas tupiniquim , de só valorizar o que vem, principalmente "DOSUSA". Ótimo, então, você fazer a referência, indo à fonte. Parabéns pelo oportuno post.

    Colaborando, então:
    Dez anos antes de virar filme, Life of Pi, título original de As Aventuras de Pi e também nome do livro com o qual Yann Martel ganhou o Booker Prize, entre outros prêmios, esteve no centro de uma polêmica. O escritor canadense disse ter criado a história a partir do argumento de Max e os Felinos, de Moacyr Scliar (1937 – 2011) – que garantia conhecer apenas por meio de uma resenha do New York Times.
    Martel chegou a incluir um agradecimento a Scliar no prefácio de Life of Pi, o que não impediu acusações de que o teria plagiado. O autor gaúcho, por sua vez, foi diplomático: em texto publicado em Zero Hora de 9 de novembro de 2002, rechaçou a ideia de um processo jurídico dizendo desconhecer um “conceito estabelecido de plágio”.
    Scliar procurou afastar a embaraçosa acusação de plágio e revelou-se melindrado mais porque Martel o citara entre as pessoas a quem agradecia numa nota (“a centelha de inspiração devo-a ao sr. Moacyr Scliar”), sem explicar o porquê e nem citar Max e os felinos (aliás, Martel, demostrando uma inabilidade campeã, para não dizer desagradável, afirmava nem ter lido o texto e apenas conhecer seu enredo através de uma resenha negativa, considerando um desperdício ideia tão boa e tão mal aproveitada).

    Confira, abaixo, a íntegra do texto de Moacyr Scliar sobre o episódio.
    O conceito de plágio
    Por Moacyr Scliar
    (publicado em ZH de 9 de novembro de 2002)

    Literatura é para mim escrever e desta forma estabelecer um vínculo afetivo e intelectual com pessoas. Todo o resto me parece secundário, incluindo as polêmicas literárias. Recentemente vi-me envolvido, a contragosto, numa discussão deste tipo, quando o escritor canadense Yann Martel venceu o Booker Prize desse ano com um livro (Life of Pi) baseado, segundo declarações do próprio autor, na mesma ideia que norteia meu livro Max e os Felinos. Existem aí duas questões:
    1) Muitas pessoas me perguntam se vejo aí um plágio. Não tenho uma resposta para esta pergunta; eu precisaria recorrer a algum conceito de plágio estabelecido por pessoas ou instituições sérias, conceito este que, para dizer a verdade, não conheço: nunca precisei dele, porque nunca enfrentei esse problema;
    2) A imprensa veiculou declarações atribuídas a Yann Martel segundo as quais ele teria tomado conhecimento do livro através de uma pouco favorável resenha do escritor norte-americano John Updike, publicada no The New York Times. Só que John Updike não escreveu resenha alguma sobre o livro, conforme declarou ao The New York Times de 6 de novembro. A resenha (elogiosa, se é que este detalhe interessa) publicada no The New York Times é de Herbert Mitgang. Mas, e isto quero destacar, em contraste a tais declarações, Yann Martel faz-me um agradecimento no prefácio de seu livro.
    Sinceramente, espero que todas estas coisas se esclareçam e que cheguemos a um desfecho justo e consensual. É possível que esta situação, que já ocorreu no passado, ocorra no futuro e será bom, portanto, que tenhamos regras claras de relacionamento entre escritores e entre as obras. Para que possamos, nós, os autores, escrever nossas obras e para que possa o público lê-las com prazer e com emoção.
    Abraço
    Marco

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    1. Obrigadíssima Marco, pela valiosa colaboração ao trazer as palavras do próprio Moacyr Scliar sobre o episódio. Agradeço também pela visita e pelo comentário. Espero que volte sempre! Seja bem-vindo!

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  4. No futuro, a História das Mentalidades, considerará o tempo presente, como sendo, o de recudescimento do plágio. plágio de idéias, música, literatura e sobretudo, de pessoas. Quem não canhece, pelo menos uma pessoa , que não passa de plágio? Plágio de si mesma, plágio de quem admira ou odeia, plágio da vida que ilude-se viver. Difícil encontrar atualmente, algo ou alguém original, que não seja plágio ou fake. Algumas pessoas, quando t~em cnsciência da mentira de seu mundo, com dignidade, optam pela morte, única e derradeira verdade de sua passagem pelo planeta. A maioria, infelizmente, de tão-nada, continuam em seu simulacro existencial, conseguindo até mesmo, admiradores, seguidores e sucesso. Triste tempo. Piorar é sempre possível.

    ANTONIO CARLOS

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    1. Muito importante isso que você falou, Antonio Carlos. Plágio de pessoas, plágio de si mesmo, de quem admira ou odeia, plágio da vida que ilude-se viver. É isso mesmo: tá difícil encontrar gente original e de verdade. Você me deu ideia para um post e eu vou escrevê-lo... aguaaaaarde... e dê aí os seus pitacos também, porque você já ganhou o posto de Pitaqueiro Oficial, junto com o Marcos Lúcio. Abraços!

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    2. Concordo pletoramente com a blogueira, e com a análise acurada do A.C. a respeito do recrudescimento do plágio, nestes tempos neoliberais vazios e medíocres, nivelando a multidão boiada por baixo.

      Como divulgador e compartilhador e não somente pitaquista rs, assino embaixo o que o pesquisador (adoooro uma pesquisa relevante) REMY J. FONTANA, que também é
      Professor no Depto. de Sociologia e Ciência Política da UFSC fala sobre Zygmunt Bauman (dos meus autores preferidos):"um dos mais argutos críticos comtemporâneos, sobre a condição de alienação/reificação generalizada. Seus escritos contribuem para desmistificar/denunciar processos e poderes que procuram nos encurralar num cotidiano medíocre, acomodado e medroso. Escreve sem pompas acadêmicas ou presunções estilosas. Que seus textos e livros estejam circulando em escala crescente é um alento em meio ao obscurantismo, trivialidade e simulacros triunfantes-nestas vidas para consumo e repetidoras de padrões".
      Santé e axé!
      Marcos Lúcio

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  5. Fernanda, grato pelo elogio e nomeação. Na medida do possível, colocarei meu olhar sobre os temas abordados nesse Blog, que muito aprecio.
    Abraço e bom fim de semana.
    ANTONIO CARLOS

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